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Cenógrafo italiano, parte da história da Cia. Vera Cruz, segue protestando com sua arte
Por Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
22/01/2005 | 13:13
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No último dia 6, o cenógrafo Pierino Massenzi mais uma vez colocou sua assinatura sobre a mesma pintura em papel. O ritual, que se repete há 50 anos, marca a passagem de seu aniversário. Desta vez, o autógrafo, seguido do ano 2005, simboliza seus 80 anos.

São oito décadas de uma vida bem vivida, como faz questão de frisar o cenógrafo italiano radicado em São Bernardo, que fez história na extinta Cia. Cinematográfica Vera Cruz. Foram 47 longas-metragens, entre produções nacionais e estrangeiras (com destaque para filmes como O Cangaceiro, Tico-Tico no Fubá e Angela) e 28 prêmios.

A história da Vera Cruz ele tem na ponta da língua. Foi um dos primeiros a entrar e um dos últimos a sair da companhia. Lá, assistiu e participou da era de ouro do cinema.

Em épocas prósperas, chegou a trabalhar em cinco filmes ao mesmo tempo. Diz que a companhia afundou por causa do excesso de gastos. “Menina! Usaram casimira inglesa para fazer carpete!”. Ele continuava criando cenários com baixo custo. “Enquanto eles ganhavam dinheiro, eu ganhava prêmios.”

Os vários diplomas dos prêmios recebidos, exibidos nas paredes de seu ateliê com vista para a represa Billings, não deixam mentir o carinho que ele tem por essa fase. Mas Pierino vivenciou muito mais. “Minha vida daria um best-seller!”.

Nascido em Roma em 1925, não pôde conhecer a mãe, que morreu quando ele nasceu. Uma família o adotou. Os estudos foram  direcionados à arte.

Aos 19 anos, ganhou o primeiro lugar no concurso da Mostra de Arte da Guerra.  Como voluntário do Exército, ele foi por três vezes levado a trabalhar no norte do país. Da segunda vez, escapou da morte: “Eu estava num hospital em Trevizzo. Um dia depois de sair de lá, a cidade foi bombardeada e o hospital, destruído”. Com o fim da guerra, os norte-americanos o levaram para construir uma estrada de ferro, onde passava o dia carregando pedras e carvão.

Pierino já era casado com a pianista Gina Lombardi Massenzi e tinha uma filha, Vitalina. Como não havia trabalho nem boas condições de vida na Itália pós-guerra, decidiu vir ao Brasil na condição de camponês. Mas conseguiu emprego como projetista na Light, o que lhe rendeu dinheiro para trazer a família.

Embora estivesse em boas condições financeiras, não resistiu à proposta de pintar uma igreja em Guaranésia, interior de Minas, durante um ano. Mas em poucos meses, se desentendeu com o padre, que fora cobrar dele – acompanhado do delegado e de um sargento – a checagem de todo o material empregado no trabalho. “De cima do andaime, eu ia jogando nele cada item cantado da lista. De propósito, deixei o alvaiade, que é um pó branco, para o fim. (Risos) Ele virou um arlequim!”. Pierino ficou sabendo, mais tarde, que o padre queria expulsá-lo porque algumas beatas reclamaram dos anjinhos que pintara na igreja, todos com o sexo à mostra.

Foi aí que Pierino mudou-se para São Bernardo e começou na Vera Cruz. Nos tempos mais difíceis da companhia, montou a Bali Decorações, que fazia um trabalho “desde o terreno vazio até o penico debaixo da cama”. Paralelamente, tocava a carreira de artista plástico. A empresa não deu certo e, com o fim das atividades da Brasil Filmes (ex-Vera Cruz) nos anos 1970, Pierino comprou uma fazenda no Vale do Ribeira onde plantou bananas, que eram comercializadas em Diadema. O empreendimento não vingou, mas seu filho e sócio enveredou no ramo de criação de cavalos, e hoje tem uma hípica em São Bernardo.

Pierino hoje acompanha tudo de longe. Sua rotina consiste em tomar café, almoçar, jantar, pintar as telas com conteúdo de crítica social em seu ateliê e assistir a um bom jogo de futebol. Torce para qualquer time que estiver ganhando.

Questionado sobre o que gostaria de ganhar de aniversário, o italiano responde: “Nada. Já ganhei na vida a experiência”. Mas se ele pudesse ensinar seu ofício à juventude, ah, isso ele diz que faria até de graça.



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