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Farsa de Rojas, que completa 30 anos, provocou ataques a brasileiros no Chile

Partida entre Brasil e Chile, pelas Eliminatórias da Copa de 1990, na Itália, quase provocou crise diplomática

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08/09/2019 | 07:00
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Divulgação


Há 30 anos, no início de setembro de 1989, mais exatamente no dia 3, uma partida entre Brasil e Chile, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1990, na Itália, quase provocou uma crise diplomática entre os dois países. A reportagem do Estado teve acesso a documentos até então confidenciais que relatam ataques e ameaças a brasileiros que moravam em Santiago à época daquela partida histórica.

Troca de correspondência entre a Embaixada do Brasil na capital chilena e o Ministério das Relações Exteriores revela momentos de tensão vividos por brasileiros. O estopim para o estremecimento da relação foi o caso mundialmente conhecido como "A fogueteira do Maracanã".

Brasil e Chile dividiam a liderança do Grupo 3 das Eliminatórias. A seleção brasileira tinha saldo de gols melhor e somente a vitória interessava ao Chile. Com 1 a 0 no placar (gol de Careca), o goleiro chileno Rojas, então, simulou, aos 23 minutos do segundo tempo, ter sido atingido por um sinalizador. A farsa fazia parte de um plano para pedir o cancelamento da partida alegando falta de segurança. Rojas entrou em campo com uma lâmina de barbear escondida na luva e cortou o próprio rosto, fingindo ter sido atingido pelo sinalizador lançado por Rosenery Mello do Nascimento, que depois ficou conhecida como "A fogueteira do Maracanã".

Após o rojão náutico atingir a área do Chile, Rojas caiu e levou as mãos ao rosto. O juiz permitiu a entrada do médico e do massagista do Chile, mas os jogadores recusaram a maca e carregaram o goleiro para os vestiários. Os representantes da Fifa que estavam no Maracanã comunicaram que os chilenos não voltariam a campo e o juiz encerrou a partida para frustração dos mais de 150 mil torcedores que lotaram o estádio.

Em Santiago, de acordo com carta confidencial enviada ao Itamaraty, 4 mil chilenos foram para a porta da Embaixada do Brasil naquela noite. Quebraram 44 janelas do prédio e uma agência da companhia aérea Varig também foi apedrejada.

No dia seguinte, funcionários da embaixada receberam vários trotes. Um deles dizia que uma bomba iria explodir no prédio em 30 minutos. O local chegou a ser esvaziado, mas nada foi encontrado.

Já no dia 5 de setembro, a mulher de um adido aeronáutico brasileiro foi informada que uma de suas filhas havia sido sequestrada e que só seria liberada após a decisão da Fifa sobre quem se classificaria para a Copa. O fato foi comunicado imediatamente à polícia e ao Itamaraty, mas não houve sequestro. Tudo não passou de uma ameaça para amedrontar a família do servidor brasileiro. No mesmo dia, um militar foi perseguido por um outro motorista enquanto voltava para casa e recebeu insultos verbais e gestos agressivos.

"A população chilena, que tratava com muita consideração os brasileiros, após o jogo, mudou, parcialmente, de posição e, nota-se, nitidamente, um clima hostil", diz trecho da carta enviada ao Itamaraty.

Nos corredores da Fifa, o clima era de acirramento. A Federação Chilena pediu que sua seleção fosse declarada vencedora da partida ou que o Maracanã foi interditado e outro jogo realizado em campo neutro. A CBF reagiu enviando à Fifa uma sequência de fotos exibidas pelo então presidente Ricardo Teixeira. Elas mostravam que o foguete de sinalização caíra a cerca de 1,5 metro distante de Rojas, com o goleiro de pé, recuando em direção à fumaça.

Outra prova da CBF era o laudo pericial feito em Rojas quase três horas depois do incidente. O goleiro estava lúcido, com um ferimento na testa de 2,8 centímetros. O laudo apontava que o corte foi provocado por uma lâmina. Não havia qualquer sinal de chamuscamento ou de pólvora.

O relatório do juiz favorecia o Brasil porque afirmava que a seleção chilena abandonara o campo sem autorização. O árbitro acrescentou ainda que o bandeirinha viu o foguete caindo um metro atrás de Rojas.

Até que a Fifa tomasse uma decisão, uma batalha foi travada entre autoridades dos dois países. O comandante-chefe da Marinha do Chile, almirante José Toríbio Merino, classificou o Brasil de "país primitivo". O encarregado de negócios da embaixada chilena no Brasil, então, foi convocado para prestar esclarecimentos ao governo brasileiro. Gonzalo Salgado Tormo foi ao Itamaraty e assegurou o "total interesse do governo do Chile em manter excelentes relações diplomáticas com o Brasil". Já o chanceler chileno, Herman Felipe Errazuriz, telefonou ao Brasil para minimizar as declarações do comandante-chefe.

A então encarregada de negócios da Embaixada do Brasil em Santiago, Heloísa Vilhena de Araújo, era a responsável por manter contato com as autoridades chilenas para tentar normalizar a situação. "Fiz simplesmente meu trabalho de notificar as autoridades do Ministério das Relações Exteriores do Chile das agressões e ameaças de que a Embaixada e alguns de seus funcionários foram alvos, solicitando providências, no que fui sempre prontamente atendida. O mal-estar contra o Brasil, na população chilena, perdurou até que a farsa do jogador foi comprovada", contou Heloísa ao Estado três décadas depois.

A tensão só foi dissipada no dia 10 de setembro. Após reunião de quase seis horas, a Fifa confirmou a classificação do Brasil para o Mundial de 1990. Ao gol de Careca somou-se outro, determinando o placar de 2 a 0 à partida. A CBF, porém, foi multada em 20 mil francos suíços pelo rojão atirado por Rosenery.

Com a farsa descoberta, Rojas acabou banido do futebol. Em 2001, após pedido de perdão, a punição foi retirada pela Fifa. Rojas ainda trabalhou no São Paulo como preparador de goleiros e chegou a treinar a equipe em 2003. O Estado procurou o chileno duas vezes na semana passada, mas o ex-goleiro não quis dar entrevista para comentar este episódio.

Rosenery Mello, a Fogueteira do Maracanã, virou capa da revista Playboy dois meses e meio depois daquela partida. Em 2011, morreu no Rio, após sofrer um aneurisma cerebral.




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