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‘Redentor’ equilibra caos e riso
Melina Dias
Do Diário do Grande ABC
17/02/2005 | 12:59
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Fernanda Montenegro foi paparicadíssima nesta semana no XX Festival Internacional de Cinema de Berlim após a exibição de Redentor, primeiro longa-metragem de seu filho Cláudio Torres. Colheu elogios sobre o filme que abriu a seção Panorama do evento (fora de competição) e acaba de ser lançado em DVD. “É uma obra irrepreensível sobre os valores da vida, justiça e amor”, disse um crítico da revista Tagesspiegel. Alegria para toda a família Torres, já que, além da veterana atriz, seu marido Fernando Torres atua na produção e a filha Fernandinha assina o roteiro ao lado de Elena Soárez.

Redentor é mesmo um filho do clã, coisa de longa gestação. Demorou dez anos para ser concretizado. Só o roteiro foi burilado por seis. O que se vê é o desejo – alcançado – de contar bem uma boa história. Caos social, mas com lances divertidos. Só não espere grandes surpresas dramatúrgicas. Cláudio Torres optou por uma direção de atores discreta. Cada um foi escalado para o papel que sabe fazer melhor.

Na época da estréia, Torres ressaltou que teve o cuidado de escrever ao menos uma boa cena para os convidados especiais. É verdade. Repare nas participações de Paulo Goulart, Mauro Mendonça, José Wilker e Guta Stresser, entre outros. No time coadjuvante Lúcio Mauro e Stênio Garcia se destacam.

Escândalo imobiliário - Pedro Cardoso, talhado na comédia, vive o protagonista Célio, um filho da classe média que desponta como bem-sucedido jornalista e carrega um fardo familiar. É ele quem conduz sua narrativa póstuma ao começar o filme morto no lixo. Seu pai (Fernando Torres) pagou durante toda a vida um apartamento cujas chaves nunca recebeu. A mãe (Fernanda Montenegro, nascida para viver tipos sofridos) cuida do marido deprimido, acamado, em casa de parentes onde vivem de favor.

O conflito é detonado com a falência  e o suicídio do dono da construtora do tão sonhado apartamento. Sobra para o filho playboy Otávio (Miguel Falabella, um especialista em tipos arrogantes) tentar – não resolver o problema com os proprietários – mas colocar a mão nos milhões da construtora bem guardado em um paraíso fiscal.

O jornalista e o herdeiro se conheceram na infância. E ambos se aproveitam desse passado em comum para resolver seus problemas pessoais. Ao saber que o prédio vazio foi ocupado por favelados, Célio vai atrás de Otávio para obter provas que possam chantageá-lo em troca do imóvel do pai. Já o ricaço vê no repórter um excelente laranja para recuperar a bolada que sua empresa tomou de centenas de famílias.

A história, inspirada no drama de tantos brasileiros passados para trás por construtoras, toma aí o rumo do realismo fantástico. Quando o jornalista é corrompido, ninguém menos do que Deus entra em cena. O Todo-Poderoso, simbolizado pela figura do Cristo Redentor, impõe ao massacrado Célio uma missão: fazer com que o criminoso Otávio se redima e distribua seu dinheiro aos que lesou.

Nessas aparições divinas, Redentor consegue algo ainda incomum no cinema nacional, o uso adequado de efeitos especiais. Nada é visualmente tosco ou gratuito. Sabendo a origem do diretor, muito também se esclarece. Reconhecido diretor de filmes publicitários, Torres é parte da Conspiração Filmes, produtora carioca à qual estão ligados, por exemplo, Andrucha Waddington (Eu Tu Eles) e José Henrique Fonseca (O Homem do Ano). Estão lá elementos do padrão Conspiração como a fotografia estilizada, com uso de cores saturadas.

O fanatismo de Torres pelas histórias em quadrinhos também colabora na agilidade do ritmo narrativo. A direção de arte do andreense Tulé Peak é correta – atente para o diálogo entre a maquete do prédio e os cenários.

E quando o roteiro impõe a reflexão sobre a falta de moral entre os homens é porque todos personagens já não são mais dignos de confiança. Só Cristo salva, indica Redentor, mas caberia aos homens dividir o pão e perdoar uns aos outros. Coisa cada vez mais difícil de se ver por aí, que o digam as 29 mil famílias brasileiras vítimas da falência da construtora Encol.




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