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Tragédia se torna lição para moradores

Após deslizamentos e mortes em 2011, quem vive no morro do Macuco, em Mauá, monitora a chuva

Por Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
13/09/2015 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Início de 2011, exatamente dia 11 de janeiro. A terça-feira chuvosa ainda permanece na memória da doméstica Irene Henrique Souza Silva, 54 anos. “Lembro que estava dormindo com minha filha quando escutamos os gritos e choro. Quando fomos olhar, todas as casas que ficavam atrás da nossa tinham despencado. Foi uma cena horrível.”

O episódio aconteceu no morro do Macuco, em Mauá, e ficou marcado como uma das maiores tragédias do Grande ABC. As fortes chuvas do início daquele ano causaram série de deslizamentos. Só na cidade, ao todo, cinco pessoas morreram e outras 500 ficaram desalojadas. Além disso, a região viu o caos se instalar após diversos alagamentos em todos os municípios. “Na época só vinha para casa de manhã. Dormi fora durante muitas semanas”, relembra Irene.

Passados quatro anos do episódio, moradores do local mostram, por meio de suas ações, que a tragédia acabou se tornando lição de vida.

No período em que prefeituras e Defesa Civil das sete cidades iniciam seus planos para monitorar áreas de risco, diante da proximidade da temporada de chuva, moradores do Grande ABC ensinam que o empenho de todos pode ser a principal ferramenta para evitar tragédias.

Acompanhada de integrantes da Defesa Civil de Mauá, a equipe do Diário retornou nesta semana ao local da tragédia no morro do Macuco para acompanhar as medidas que vêm sendo adotadas na véspera do período de chuvas.

Responsável por visitar moradias e realizar palestras, o agente da Defesa Civil Sérgio Soares afirma que, muitas vezes, a própria população ensina como se prevenir. “Ninguém melhor que o morador para conhecer a região onde vive. O que vemos muitas vezes é que eles se empenham para realizar a manutenção necessária em suas residências.”

Irene mesmo foi uma das que mudou a forma de conduzir sua rotina. Moradora do morro do Macuco há 28 anos, ela afirma estar atenta para todos os detalhes de sua casa. “Aqui não tem nenhuma rachadura. Sempre fico de olho, inclusive, vejo se os postes estão ficando inclinados, pois isso pode mostrar movimentação do solo.”

David Aleixo de Carvalho, 62, que atualmente está desempregado, é outro que redobrou os cuidados. “Lembro que naquele ano (2011) foi terrível. Os helicópteros ficaram sobrevoando aqui durante dias para achar uma família. Agora fazemos tudo para nos prevenir. Hoje, por exemplo, não é qualquer chuva que acontece à noite que nos coloca medo.”

Para a diretora da Defesa Civil de Santo André e coordenadora do GT Defesa Civil do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Débora Diogo, a colaboração dos moradores da região tem sido fundamental para a prevenção de tragédias nos municípios e, principalmente, para o menor índice de ocorrências. “Eles são parte fundamental. Quando temos essa ligação, os munícipes acabam virando nossos agentes.”

O coordenador da Defesa Civil de Mauá, Sérgio Moraes de Jesus, ressalta que, inclusive, o número de chamados aumentou nos últimos anos. “Hoje quando o morador vê uma rachadura, por menor que seja, liga para tirar a dúvida.”

Apesar das chuvas fortes registradas na última semana, Moraes pontua que o panorama hoje é totalmente diferente. “Atualmente temos certeza plena que todos estamos preparados para eventuais ocorrências. Principalmente, em razão da população, que assumiu esse papel de agente comunitário da Defesa Civil.”

Remoção de famílias é foco de ações preventivas

Como forma de prevenir tragédias em áreas de risco, as sete cidades da região vem se empenhando no trabalho de remoção de famílias desses locais. De acordo com dados do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, hoje 104 famílias ocupantes de moradias em situação de risco iminente estão pendentes para serem realojadas.

Em Santo André, 322 moradias foram removidas entre 2014 e 2015. Atualmente, atenção maior é destinada aos bairros Vista Alegre e o núcleo Maurício de Medeiros, ambos com 200 residências cada e áreas com maior potencial de risco.

São Bernardo, por sua vez, indica que tem 746 famílias distribuídas entre 67 setores de risco alto, com destaque para as regiões do Areião, Vila São Pedro e Parque Imigrantes.

Já em Mauá, a Defesa Civil pontua os bairros Zaíra e Jardim Rosina como principais pontos a serem trabalhados. Ao todo, 26 mil pessoas vivem na região.

Em Diadema, levantamento aponta 80 setores perigosos na cidade, dos quais 28 oferecem risco de inundação e 80 de escorregamento.

Ribeirão Pires tem 2.633 moradias divididas em 43 áreas que estão recebendo atenção especial, sendo 33 delas de risco muito alto.

São Caetano informou não possuir áreas de risco. Já Rio Grande da Serra não retornou até o fechamento desta edição.

Grande ABC foi pioneiro em traçar plano regional de risco

Para a coordenadora do GT Defesa Civil do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Débora Diogo, o empenho dos sete municípios em traçar em conjunto ações direcionadas para moradores que vivem em áreas de risco foi fundamental para a região registrar, nos últimos anos, queda no número de ocorrências. Segundo a especialista, o trabalho em equipe serve como referência para outras cidades.

“Com a união dos sete municípios foi mais fácil absorver as informações sobre a prevenção de tragédias como a de 2011. A partir disso foi possível realizar diversos convênios. Juntamos todas as experiências e hoje o Consórcio serve como suporte para as ações.”

Para Débora, outro ponto que ajudou nos avanços da prevenção foi a criação do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, em 2012. “Hoje temos suporte de diversos ministérios como Ciência, Tecnologia e Inovação, Meio Ambiente e Cidades. A criação de leis ajudou muito na gestão de risco.”

Mauá, por exemplo, foi uma das beneficiadas por ações do governo federal. Neste ano, o município foi o primeiro do Brasil a receber a implantação do Projeto de Sensores Geotécnicos de Pesquisa e de Monitoramento dos Morros para Prevenção de Deslizamentos. Ao todo, somente nove localidades no País participam da fase de teste.

O projeto consiste em uma Estação Total Robotizada, que controla 150 prismas para reprodução de sinais de movimentação de terra e pluviômetros.

Para o coordenador da Defesa Civil de Mauá, Sérgio Moraes de Jesus, o projeto irá contribuir em ações futuras. “Os primas foram instalados em pontos como o morro do Macuco e recebemos em nossa central as informações. É possível criar levantamentos a partir disso.” 




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