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O mundo em Libras

Capazes e cheios de sonhos, desafio de jovens
surdos é enfrentar a barreira da comunicação

Por Caroline Ropero
Do Diário do Grande ABC
24/02/2014 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Imagine viajar sozinho para outro país sem saber a língua nativa. Por não conseguir se comunicar e pedir informações, poderia ficar perdido e isolado. Às vezes, é assim que o surdo se sente quando é o único em grupo só com ouvintes. Contudo, não saber se expressar oralmente é a única diferença em relação aos outros.

Como todo jovem, os alunos da Escola Municipal para Surdos Neusa Bassetto, em São Bernardo, curtem sair com os amigos, acessar redes sociais, namorar e ir para a balada. “Gosto da agitação, da bagunça”, conta Michael Oliveira Santos, 18 anos, que já beijou surdas e ouvintes.

Já Miriam, 13, prefere sair com colegas surdos. “Ouvintes falam muito rápido, é difícil conversar.” Por outro lado, segundo ela, é bom ter quem fala Português por perto, principalmente na hora de escolher o que comer. “Mostramos no cardápio o que queremos, mas nem sempre entendem. Já recebi pedido errado. Falta intérprete nessa hora”, afirma a garota, que joga no time de badminton da escola. “É o que mais gosto de fazer.” Outra dificuldade é ir ao cinema. “Seria mais fácil se tivesse um quadradinho na tela do filme com um intérprete. Legendas são difíceis, têm palavras que não conhecemos”, afirma Wilkerson Dias, 16. 

Por lei, todo aluno surdo tem o direito a um intérprete na escola e a aprender Libras (Língua Brasileira de Sinais) como primeira língua enquanto estiver em sala de ouvintes. Deve ter ainda aula de reforço para garantir que o conteúdo seja assimilado. A faculdade também é obrigada a pagar intérprete. Mesmo assim, o desafio de cursar o nível superior assusta quem não escuta. “Tenho medo de não entender a matéria”, diz Karolayne Oliveira, 14, que sonha ser veterinária. Já Michael quer estudar Moda. “Trabalho na área, faço minhas próprias roupas e vendo algumas”, afirma o garoto, que aprendeu a costurar e tingir tecidos por meio de vídeos na internet.

OUTRA LÍNGUA
Apesar de muitos surdos não saberem perfeitamente o português, eles manjam outro idioma, desconhecido pela maioria dos ouvintes: a Libras.  Como toda língua, tem sua própria gramática. “Além dos gestos com as mãos, tem a expressão facial e corporal, e também a oralização”, explica Silmara Lopes, professora do curso de Libras da Universidade Metodista. Para o surdo, o Português é segunda língua. “É importante aprender desde a infância e ter alguém da família que aprenda junto e se dedique a estudar”, afirma a psicóloga especialista em Libras, Maria Antônia do Nascimento Santos.

Cada país tem sua própria linguagem de sinais. Em 2013, quando foi para a Bolívia dançar em um festival com o grupo Integrarte, Valdomiro Fernandes, 18, encontrou pessoas surdas e tentou conversar. “Eram sinais diferentes. Pedia para falarem mais devagar e a gente se entendeu mais ou menos. Trocamos Facebook e temos contato até hoje.”

Redes sociais com bate-papo por meio de vídeo (como Skype) são muito usadas. O ooVoo, por exemplo, permite até 12 pessoas na mesma conversa. Eles também costumam mandar mensagem de texto e alguns conseguem fazer leitura labial.

Apesar de a tecnologia proporcionar interatividade, o surdo ainda se sente isolado em muitos momentos. Rafael Ribeiro da Cunha, 13, não gosta de ficar sozinho com ouvintes sem alguém que fale Libras. “Fico quieto. Sinto-me um passarinho na gaiola.” Às vezes, até familiares têm dificuldade de se comunicar. “O problema é que nem sempre é fácil escrever em Português”, diz Anderson Melo, 16. Por isso, o maior desejo desses jovens é que todos soubessem sinais. Assim, surdos e ouvintes dividiriam o mesmo mundo, sem diferenças.

 

E MAIS...

Você sabia que os surdos não são mudos? O termo surdo-mudo é considerado errado e até pejorativo, pois a perda auditiva não prejudica as cordas vocais. Se antes de ficar surda ela sabia falar, continua com a mesma capacidade. No entanto, quem nasce surdo não consegue aprender as palavras e o modo de falar dos ouvintes. Mas, em alguns casos, quando usam Libras, soltam sons, expressões e oralizações. Também é errado chamar o surdo de deficiente auditivo. Este seria alguém com deficit de audição que, em geral, consegue ouvir com a ajuda de aparelhos.




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