Cultura & Lazer Titulo
Joyce e Woolf
Ricardo Lísias
Especial para o Diário
06/03/2007 | 20:57
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No quarto ciclo dos Seminários Avançados serão discutidos alguns pontos altos da prosa no século XX e no mundo contemporâneo. No primeiro encontro, o impacto que a obra de James Joyce (1882-1941) e Virginia Woolf (1882-1941) tiveram tanto na transformação que o romance operaria na entrada do século XX quanto na própria visão de literatura que os autores, radicalmente, impuseram à tradição.

A escolha dos nomes de Joyce e Woolf não é gratuita: o primeiro, como se sabe, foi responsável por trazer para a prosa questões que ainda estavam sendo tateadas pelo conhecimento humano: nossa vida onírica, por exemplo; com relação à autora de Orlando, por seu turno, pode-se dizer que sua obra madura serviu como uma espécie de solidificação de alguns procedimentos que se tornariam caros à melhor literatura do século passado – o fluxo de consciência, por exemplo.

Por meio de uma experimentação radical, Joyce imprimiu sentido ao devaneio, trouxe o anti-herói para o centro da arte e privilegiou o movimento (basta lembrarmos que a personagem principal de seu melhor texto, Ulysses, passa o dia vagando por Dublin) físico e mental. Por tudo isso, sem dúvida é o escritor responsável por modernizar a arte romanesca, gasta pelo naturalismo já vencido no século XX e ansiosa por operar modificações que de novo a colocasse em compasso com o mundo que rapidamente se transformava.

Virginia Woolf, dona de um rigor técnico praticamente impecável, aplicava ao romance uma visão temporal muito particular. Enquanto, até ali, as principais obras se desenvolviam a partir de uma trama cronológica, Woolf soube distender o tempo para fazer as personagens viajarem grandes intervalos históricos em poucas páginas, caso do já citado Orlando.

Ao valorizar, ainda, o espaço interior das personagens, trazendo para o romance as descobertas da psicanálise, Virginia Woolf comprimia esse mesmo tempo em um instante que, por mais paradoxal que seja, continha praticamente um mundo de emoções, por exemplo no início de Rumo ao Farol, hoje considerado um dos marcos da literatura moderna, junto com o próprio Ulysses.

Modernidade - Os Seminários pretendem ainda discutir como a modernidade foi recebida, tentando apresentar os principais textos críticos, ler em detalhe trechos das obras apresentadas para compreender o estilo adotado pelos autores e, por fim, tentar desfazer preconceitos e mal entendidos que possam impedir a plena compreensão do fenômeno da modernidade em uma sociedade periférica como a brasileira.

Se parte do nosso meio literário apresenta repetições de procedimentos adotados há 90 anos como pretensa novidade formal, sem dúvida a discussão que os Seminários pretendem impor é urgente até para que nossa literatura deixe de derrapar – como a propósito continua derrapando o País.

Ricardo Lísias, 31 anos, é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. É escritor, ensaísta e professor. Escreveu, entre outros títulos, os romances Cobertor de Estrelas (Rocco, 1999), Dos Nervos (Hedras, 2004) e Duas Praças (Globo, 2005).



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