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‘É como matar um leão a cada dia’
Illenia Negrin e
Verônica Fraidenraich
Do Diário do Grande ABC
12/06/2005 | 09:02
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Nos corredores de dois centros de reabilitação do Grande ABC – o Napsad (Núcleo de Atenção Psicossocial para Abuso de Álcool e Outras Drogas) de Santo André, e o Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, clínica particular de São Bernardo – ecoam histórias parecidas de dependência, empenho e superação. São poucos os dependentes que procuram ajuda, e muito poucos os que encontram. “É como matar um leão por dia. Se com o tratamento já é difícil, sozinho é impossível”, define J.S., aposentado de 57 anos, 25 passados em programas de reabilitação.

J.S. está há um ano e um mês sem álcool. Ele conheceu o Napsad após sofrer seis convulsões numa crise de abstinência, numa tentativa frustrada de controlar sozinho a compulsão por bebida. Hoje, é paciente do hospital-dia, participa dos grupos terapêuticos e da oficina de teatro. Consegue ir além, passo a passo, das lembranças que guarda das mais de 20 internações malsucedidas pelas quais passou. “Estamos ensaiando Os Saltimbancos. Descobri que sou ator depois de sobreviver a tudo isso.”

S. vai todos os dias ao Napsad. Hoje mora com o irmão, desquitado, e consegue economizar. “Antes, gastava tudo em bebida. Tinha dívida que não acabava mais no bar. Agora entro no boteco “só para comprar cigarro e tomo guaraná diet.” Mudança de hábito radical para quem achava que não superaria as recaídas, comuns na reabilitação. “Tinha tanta vergonha de fracassar que cada hora me internava num lugar. Conheço vários. Até no Scania (nome popular do Hospital Psiquiátrico de São Bernardo) fiquei um monte de vezes, naqueles leitos trancados com grade de cadeia.”

A jovem T.D.G, 24 anos, é uma das novatas no Napsad, chegou há duas semanas. Pode ser vista subindo e descendo escadas do centro, agitada, ansiosa, mãos suando frio, andando de um lado para o outro. São os primeiros dias de abstinência. Usuária de crack, cocaína e maconha desde os 14 anos, disse que procurou o serviço por estar “no limite”. A mãe e a irmã mais nova também são dependentes químicas, e ela nunca teve dificuldade pra comprar a droga. “Quando estava desempregada, minha mãe me dava pó. Meus primos todos estão metidos com o tráfico, sempre foi muito fácil. Até que vi que perdia minha vida social.” O namorado, com quem se relaciona há dois anos, é “careta” e deu o incentivo que faltava. “Quero voltar a dançar, sempre gostei, pratico desde pequena. E não quero nunca mais voltar para minha casa.”

Foi por influência do pai, que morreu de enfarto, provocado entre outros problemas pelo alcoolismo, que A.F.S., 31 anos, que hoje faz tratamento no Bezerra de Menezes, começou a beber. Ele mal lembra desde quando costumava emborcar o copo de cerveja goela abaixo, mas diz que foi lá pelos 15 anos. Para completar, seu primeiro emprego, numa lanchonete, serviu de estímulo à ingestão da bebida. Aos 19 anos, casado e com um filho pequeno, A.F.S. conseguiu trabalho na Ford em Taubaté, onde vive. “Reformei a casa, comprei um carro e comecei a sair com a turma.” Aí a farra começou. Ele saía do trabalho e ía direto para os bares.

Dos 20 aos 30 anos, bateu pelo menos uns dez carros, se endividou em bancos e com empresas de cartões de crédito, fez com que a mulher pedisse a separação e como ele mesmo diz, “perdeu a moral” no trabalho. Em 1998, a assistente social da empresa sugeriu que se internasse num centro de tratamento, mas ele não quis. “Achava que quando quisesse parar de beber conseguiria, mas nunca parei completamente.” Dos R$ 3 mil de salário, mais da metade ia embora com a bebida e as farras. A conta que tomava sozinho pelo menos 12 garrafas de cerveja e mais umas oito doses de conhaque.

Em 2003, S. começou a cheirar cocaína. “Minha vida era um caos; em todas as decisões que tomava, estava alcoolizado.” Em maio deste ano, decidiu, por insistência da mulher e da assistente social da empresa, se internar. “Mas até para tomar essa decisão, estava bêbado.” Há 26 dias no Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, em São Bernardo, encaminhado por convênio da empresa, S. conta que bebeu até horas antes da internação. “Vim de ônibus para São Paulo, desci no Tietê e fiquei bebendo por lá mesmo. Entrei no centro às 21h30 e quando acordei, no dia seguinte, estava desorientado.” S. acredita que a recuperação não será fácil, mas se mostra encorajado. Diz que nunca ficou tanto tempo sem beber, mas vai procurar “reativar o contato com uns amigos que não bebem”. “Quando sair, terei de enfrentar os problemas que deixei estacionados, mas quero resolver tudo de cara limpa.”

Contatos – Santo André – Caps: rua Henrique Porchat, 42, tel.: 4990-5294. São Bernardo – Ambulatório de Saúde Mental da Prefeitura: avenida Imperatriz Leopoldina, 649, tel.: 4122-4000. Centro de Tratamento Bezerra de Menezes: rua Batuíra, 400, tel.: 4109-6422. Diadema – Espaço Fernando Ramos da Silva: avenida 7 de setembro, 18, tel.: 4055-1528. Ribeirão Pires – Centro Pérola da Serra: rua 7 de setembro, 25, tel.: 4828-6227.




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