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Livro em queda livre
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
25/09/2005 | 08:24
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Crise no mercado editorial brasileiro! Que crise? O faturamento no setor praticamente triplicou em uma década e meia. Nos últimos 15 anos, o número de exemplares vendidos oscilou anualmente, para mais ou menos, e o de títulos publicados vem diminuindo desde 1997. Lembrando que em 1987, no auge do Plano Cruzado, chegaram a ser produzidos 500 milhões de livros no país e ano passado não passou de 321 milhões. O setor tenta virar esta página. A CBL (Câmara Brasileira do Livro), realiza pesquisa anual que demonstra como está o panorama do mercado editorial brasileiro, mas esses números permitem duas interpretações: otimista ou pessimista.

Mas o mercado se retraiu mesmo. A queda é de 51% nos últimos oito anos, fenômeno agravado pela melhora nos indicadores econômicos, segundo o economista George Kornis, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Kornis, junto com o colega Fábio Sá Earp, publicou ano passado o livro Economia da Cadeia Produtiva do Livro, financiado pelo BNDES, e esta semana apresentou novos dados durante a abertura da feira Primavera dos Livros, no Rio. "Há queda na produção de títulos, no emprego do setor editorial e nas vendas por exemplares ou por valor. Outro sintoma foram as aquisições e fusões ocorridas no setor livreiro no Brasil", diz Kornis. Ele e Earp usaram os mesmos dados da CBL. "Elevação no faturamento não elimina a tendência de queda. Todos os gráficos apresentam subidas e descidas, o que interessa é a tendência da curva. O pequeno crescimento em 2004 não é suficiente para sequer reverter essa queda", afirma o economista da UERJ.

Houve redução no poder aquisitivo da classe média, no período 1992-2004, em torno de 21%, segundo informa Kornis a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). "Quem teve aumento de renda foram os estratos pobres, que não compram livros, mas alimentos e eletrodomésticos, e os ricos, que também não compram livros, pois preferem carros, jatos, barcos... A classe média, que é compradora de livros, tem renda declinante e outros itens de consumo como celular, internet", explica o economista. Kornis e Earp apontaram como saídas o estímulo à demanda por meio de criação de vale-livro para estudantes universitários de baixa renda, a manutenção de uma verba regular para aquisições em bibliotecas em valor igual ou semelhante às compras de livros pelo Ministério da Educação e a extensão da Lei Rouanet de Incentivo à Cultura ao livro científico e barateá-lo para universitários.

Governo comprador – O grande comprador nacional de livros ainda é o governo. Pelo menos metade das vendas do setor no país resultam de compras governamentais – a maioria federal, mas também estaduais e municipais, quando há política para tal. As grandes oscilações na tabela são causadas por períodos em que os governos ou adiaram a compra, por contingenciamento de verba ou falta de interesse, ou decidiram antecipá-las.

"Muda ministro, muda o conceito. Quando era ministro da Educação, Cristóvam Buarque (2003-2004) determinou uma grande compra. Tarso Genro (2004-até 10 de julho deste ano) entrou e reverteu a decisão. Uma vez falei com o ministro Paulo Renato Souza (1995-2002), da Educação, sobre políticas que fizessem os alunos terem gosto de entrar na livraria. Ele disse que veria, mas não foi adiante. Cerca de 30% da produção norte-americana vai para bibliotecas públicas ou privada; no Brasil esse número é 1%. Acho isso uma vergonha", afirmou Armando Antongini, diretor executivo da CBL.

Na versão otimista dos dados de mercado, com algumas ressalvas, o setor aumenta seu faturamento – ainda não entraram nesses números dados referentes a 2005, quando começou a vigorar, em janeiro, a desoneração dos impostos PIS e Cofins para a publicação de livros. Para Galeno Amorim, coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura do Ministério da Cultura, "num período menor de tempo analisado há queda; num período maior, há evolução". Sobre a redução dos impostos, Antongini acha que o público que consome livros ainda não percebeu mudanças. "Está ficando um pouquinho mais barato, ou subindo menos". Amorim vê outros sinais positivos, como a publicação de livros de bolso a partir de janeiro por várias editoras. O preço de capa, com isso, baixa 40%.

Pessimismo – Na interpretação pessimista, o mercado estaria sob efeito da queda no poder aquisitivo dos brasileiros ao longo desses mesmos 15 anos, embora a renda média mensal das famílias tenha subido 16,2%, de 1992 até 2004, segundo o IBGE. Itens como livros – incluídos na pesquisa sobre comércio varejista – estão em queda de -1,78% no período julho 2005-julho 2004, frente a uma outra queda, -4% no período anterior (julho 2003-julho 2004).

A preocupação do setor livreiro, principalmente das pequenas e médias livrarias e editoras, é com a queda. Presidente recém-empossado da Libre (Liga Brasileira de Editores), que congrega as empresas com menor poder de bala do que as grandes editoras como Record, Companhia das Letras e Objetiva, Araken Gomes Ribeiro Junior está preocupado com o que chama de "crise no mercado editorial brasileiro". "Até então, as entidades do setor negavam esta queda. Fora das compras governamentais, o mercado está achatado, há pouco acesso à leitura e praticamente não há bibliotecas públicas, ou se existem são precárias."

A criação da Câmara Setorial do Livro é vista como esperança de melhorias para o setor, embora não seja a tábua de salvação. A ser empossada nos próximos 15 dias, presidida pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, e com coordenação técnica de Amorim, a Câmara surge para assessorar políticas públicas do livro, regulamentar a lei do livro e estabelecer diretrizes de políticas básicas de leitura em bibliotecas, entre outras pautas. Terá de 33 a 35 pessoas – representantes de entidades do livro, empresas privadas, governo, terceiro setor e escritores – que se reunirão mensalmente em Brasília.

Amorim, que liderou o processo de criação da Câmara no Ministério da Cultura e seria seu coordenador técnico, vê "evolução" no setor livreiro e uma tendência para reverter a queda nas vendas. "Estancamos este ano e isso nota-se na economia como um todo. Existem cerca de 100 mil projetos e programas ou algum tipo de ação de leitura acontecendo este ano. A desoneração fiscal foi a primeira, depois veio o programa BNDES Pró-Livro. No fim do primeiro triênio destas ações, em 2007, nossa meta é aumentar em 50% o atual índice de livro lido por habitante/ano no país: de 1,8 para 2,7. Ainda é inferior a países como Inglaterra e Estados Unidos, em torno de 5, ou França, com 7. Nosso percentual cresce lentamente, mas o aumento de 50% seria significativo".




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