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As muitas nações de um só lugar
Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
28/03/2011 | 07:30
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Edmilson Magalhães/DGABC


O Parque das Nações é o quarto maior bairro de Santo André, com cerca de 17.000 habitantes. É caracterizado pelo comércio movimentado, que atende não apenas quem vive ali, mas também nos bairros Vila Curuçá, Bangu, Santa Terezinha, Vila Camilópolis e outros.

Na Rua Oratório, a artéria comercial do Parque das Nações, lojas de tecidos, roupas, sapatos, farmácias e bancos se misturam aos camelôs, que vendem de CDs piratas a cadarços coloridos para tênis que calçam pés jovens.

O barulho dos trólebus é ouvido em toda a extensão, já que a linha corta a via tanto no corredor exclusivo, que começa na Igreja Senhor do Bonfim, quanto em meio aos outros carros. O excesso de buzinas do trânsito intenso só é dissipado quando se entra dentro do templo para uma prece.

Quando se acessa as travessas da Rua Oratório é que se percebe o que os moradores sabem bem: que o Parque das Nações é um lugar tranquilo, onde os nomes das ruas se confundem com as histórias de quem vive ali.

Na Rua Itália, por exemplo, uma italiana construiu sua história: Maria Cílio, 77 anos. Ela pouco consegue falar, pois sofreu recentemente AVC (acidente vascular cerebral). Quem conta sua história é o marido, Antonio Forato, neto de italianos. "Logo que nos casamos, na década de 1970, viemos morar no bairro", disse.

No Parque das Nações, criaram quatro filhos. Uma delas mudou para a Itália e por lá se casou. Maria e Forato estiveram na Itália por duas vezes. Nunca pensaram em ficar? "A gente não sai do Parque das Nações. Aqui é calmo e podemos levar nossa vida sem preocupação".

 

RECEITA

Outro que não larga o bairro é o aposentado Luiz Roberto Simões Sanches, 57. Neto de espanhóis, vive na Rua Espanha desde 1983. "Mas trabalhei aqui quase a vida inteira, na feira da Rua Brasil. Foi assim que me apaixonei pela gente simples daqui, afirmou.

Vivendo no Parque das Nações, Luiz não deixou de lado os costumes espanhóis. "Herdei do meu avô a receita de um molho chamado ajo blanco, feito com miolo de pão, tomate e alho", revelou.

 

CURIOSIDADE

Outro que cita a tranquilidade como um dos principais benefícios do Parque das Nações é o professor de karatê Paulo Ken Misumi, 36. Descendente de japoneses, ele dá aulas em uma escola de artes marciais adivinhem onde? Na Rua Japão, claro. "A escola começou na Rua Suíça, e depois nos mudamos para cá. É bom porque a coincidência do nome da rua atrai os alunos", explicou.

Mas, isso foi intencional, Misumi? "Por incrível que pareça, não", garantiu, entre risos.

Assim é o Parque das Nações: cada rua, uma história.

 

Alfaiataria de Sebastião resiste e completa seis décadas

 

A máquina de costura Vigorelli continua funcionando. Já a tesoura, é a terceira que passa por ali. A sala é a mesma desde 1951. O móvel que fica atrás da máquina de costura é da mesma época, e a única prova de que estamos em 2011 é um aparelho de som no qual se ouve o trinado de um passarinho. "É para ensinar o curió a cantar", explicou Sebastião Lemos de Oliveira, 87 anos, 60 deles passados na alfaiataria na Rua Oratório, no Parque das Nações.

O ofício de confeccionar ternos aprendeu em Minas Gerais, quando ainda era menino. "Um alfaiate chegou em Diamantina, onde eu morava, e vários meninos foram lá para aprender o ofício. Só eu consegui", disse.

Foram muitos anos de profissão, e Oliveira se lembra da época em que a Rua Oratório era cheia de alfaiates. A concorrência, no entanto, não era uma coisa ruim. "Tinha trabalho para todo mundo", garantiu.

Atualmente não tem encomenda nem para ele, que resiste ao tempo e continua realizando pequenos consertos na mesma oficina. "Hoje tem várias lojas aqui que vendem roupa social. É a modernidade", afirmou, meio conformado, meio saudosista.

Mesmo assim, o alfaiate não fecha as portas do estabelecimento que lhe ajudou a criar o casal de filhos. "Eu e minha esposa gostamos daqui. O bairro foi ficando movimentado com o tempo, mas é um bom lugar para se viver".

 

 

Ademir Medici

 

O Parque das Nações foi um dos primeiros grandes empreendimentos imobiliários de Santo André. E coube a um capitalista da Capital, Francisco Paula Perruche, a sua abertura - ele também loteou os bairros paulistanos Parque do Perruche, Parque da Lapa, Parque Monjolo e Parque Santo André.

O projeto do Parque das Nações foi idealizado pelo engenheiro Tito de Carvalho, que assina as primeiras plantas em dezembro de 1925 - três anos depois, ruas foram abertas à esquerda da Estrada do Oratório (sentido Centro-bairro).

Uma segunda planta do bairro mostra a sua evolução. Trata-se do chamado Parque Novo, com quadras desenhadas à direita da Oratório e datada de 1938. Há também o chamado Parquinho. No total, 72 alqueires, integrantes no passado da Fazenda Oratório, pertencente desde o século 19 à família dos Cardoso Franco.

Chegamos a conversar em 1976 com Bruno Panheri Benedetti. Ele foi corretor de vendas de terrenos no Parque das Nações e nos mostrou pela primeira vez uma planta da região. Sr. Bruno residia no bairro desde 1939.

Ao chegar, encontrou algumas poucas casas construídas na área do Parque Velho. Do outro lado da Oratório era só mato. No terreno onde está a igreja do Senhor do Bonfim havia um campo de futebol, utilizado pelo EC Parque das Nações, fundado em 1930.

Adquirentes dos primeiros lotes tinham direito a três milheiros de tijolos e telhas, o suficiente para o erguimento imediato de uma casinha. Eram lotes imensos - para os padrões atuais: 10 metros de frente por 50 metros de fundo em plena Rua Suíça.

A formação étnica do Parque das Nações aponta para a Europa. Lituanos mantinham uma escola que ensinava o idioma. Das primeiras famílias há vários descendentes até hoje no bairro, entre as quais as famílias Lunardi, Taffe, Boczko, Simões, Burgas, Ruzgas, Morin, Panchetti, Mássimo.

Os antigos moradores lembram que Perruche vendia terrenos e sugeria ao comprador a construção de casas que seguissem dois ou três padrões. Bastava escolher o modelo que os pedreiros do loteador iniciavam as obras.

Na década de 1940, quando a arquidiocese de São Paulo recebeu de Salvador (BA) uma reprodução fiel da imagem do Senhor do Bonfim, resolveu-se que ela seria entregue à paróquia mais pobre. A escolha recaiu sobre o Parque das Nações, que se uniu para construir a atual igreja, hoje espremida com a passagem do sistema trólebus. A imagem chega com as primeiras levas de migrantes nordestinos, radicados no Parque Novo a partir dos anos 1950.




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