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Amazonas Filarmônica mostra 'poder do delírio'
Por Do Diário do Grande ABC
24/08/1999 | 15:10
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Mais nova febre fitzcarraldiana do norte do País, a orquestra Amazonas Filarmônica faz história em Manaus com um conjunto de músicos composto majoritariamente por estrangeiros. O grupo, que já se apresentou no Festival de Inverno de Campos do Jordao, faz seu début paulistano nesta quarta, às 20h30, na Sala Júlio Prestes.

O solista é o pianista Arnaldo Cohen, que tocará o Concerto n.º 5 (O Imperador, de 1809), de Ludwig van Beethoven (1770-1827). Cohen está entusiasmado com o projeto da filarmônica. Chegou até a profetizar recentemente, em entrevista à TV, que essa seria a melhor orquestra do Brasil.

A frente da orquestra amazonense está o maestro Júlio Medaglia, 61 anos, um dos artífices do movimento tropicalista formado em regência e composiçao pela Universidade de Freiburg, na Alemanha, ex-diretor do Teatro Municipal do Rio, entre outras numerosas atividades. Como compositor, acaba de gravar sete de suas peças com um grupo de câmara da Filarmônica de Berlim.

Medaglia concorda que é uma espécie de delírio a idéia de manter uma orquestra grande, de qualidade internacional, no cenário tímido da música no norte do País. Mas, avalia, os bons delírios costumam ser frutíferos. "A orquestra marca sua presença no Amazonas de diversas formas", diz. "Eu pus no contrato dos músicos estrangeiros a obrigatoriedade de darem oficinas e aulas e ajudarem na formaçao de músicos na cidade."

Cerca de 80% dos músicos sao estrangeiros e vieram predominantemente do Leste Europeu. Medaglia fez inscriçoes também nas principais capitais brasileiras, mas os músicos nacionais nao quiseram ir até Manaus. "É compreensível: eles tocam em cinco, seis lugares para ter uma vida razoavelmente digna e vir até aqui os impediria de continuar fazendo isso."

Atualmente, a Amazonas Filarmônica conta com 72 músicos. Mas acaba de realizar uma nova seleçao na Europa e o resultado impressionou o maestro. "Virao trabalhar em Manaus oito músicos da Filarmônica de Sao Petersburgo, uma das melhores do mundo", revela Medaglia. "Eu jamais teria coragem de convidá-los, mas os próprios músicos que já estao aqui e vivem razoavelmente bem trataram de encorajar os colegas." Virao também quatro músicos do Ballet Kirov e dois da Filarmônica da Bulgária.

Segundo o regente, a decisao de criar a orquestra em Manaus partiu do governador Amazonino Mendes, que estaria desencantado com a falta de atividades musicais no centenário Teatro Amazonas. Medaglia diz que, no entanto, nao foi apenas uma decisao política. "Um dia ele assistiu a um concerto que eu fiz na Ponta Negra, em Manaus", relembra. "Ele me chamou e disse: vamos fazer uma orquestra aqui, criar uma geraçao de bons músicos na cidade."

Preocupado com a possibilidade de a orquestra se tornar "mais uma de funcionários públicos", o governo amazonense criou uma associaçao cultural. Trata-se de uma empresa privada que tem subvençao, por lei, do Estado. É o mesmo que o governo de Sao Paulo quer fazer com a Sinfônica do Estado, de John Neschling. Os principais maestros brasileiros apontam essa mudança de gestao como a saída para os problemas das orquestras nacionais.

Um exemplo: no início de seu trabalho com a Amazonas Filarmônica, Medaglia quis comprar partituras de Beethoven. A secretaria de Cultura teve de abrir uma licitaçao internacional e só seis meses depois é que chegaram as partituras. "Agora, eu peço a partitura por computador, dou o número do cartao e imprimo na mesma hora", comemora o maestro. O sistema tem a agilidade de uma empresa e nao está sujeito às intempéries da política.

CDs e concertos - A Amazonas Filarmônica gravou um CD recentemente, distribuído como brinde de fim de ano para a Federaçao das Indústrias do Estado do Amazonas. Também deve gravar por um selo inglês. "Vamos gravar o Réquiem de Mozart e dois concertos para piano e orquestra, além de uma peça de Alberto Nepomuceno." A agenda do conjunto já é bastante intensa. No ano que vem, excursionará pelos Estados Unidos. Em 21 de abril, apresenta-se no Lincoln Center, em Nova York. No dia dos 500 anos do Brasil, 22 de abril, estará tocando na concha acústica às margens do Rio Potomac, em Washington.

Medaglia crê que o grande afluxo de músicos estrangeiros para as orquestras brasileiras vai ajudar na formaçao de músicos nacionais, como ocorreu nos anos 40 e 50 com uma leva de músicos italianos. "Hoje, a qualidade vem sobretudo dos naipes de cordas da Rússia, que certamente vao influenciar muito."

O programa do concerto de amanha à noite abre com a composiçao Rio Moldávia, de F. Smetana. Isso ocorre porque o evento é promovido pela Wizo-SP (Women International Zionist Organization), uma organizaçao nao-governamental composta por mulheres do mundo todo identificadas com o sionismo. "Essa música acabou fazendo parte do hino nacional israelense e eu a incluí como uma homenagem às mulheres que estao realizando esse trabalho."




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