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Autistas buscam oportunidades

No mês de conscientização sobre a doença,
há pelo menos 60 portadores na fila de espera

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
24/04/2016 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC:


“Na teoria, a inclusão é linda. Mas, na prática, meu filho ficava isolado dentro da sala de aula. A direção da escola me ligava quase todos os dias para que eu fosse buscá-lo, e até chegaram a desenganá-lo, dizendo que ‘não poderiam fazer nada por ele’.” O depoimento da professora Ana Marta do Prado, 37 anos, reflete a tristeza de uma mãe frente à falta de estrutura da escola pública e ao desafio de lutar pelos direitos dos filhos Kaio, 8, e Jonatas, 5, ambos autistas.

O Diário aproveita o mês de abril, período de conscientização do autismo, para falar sobre o dilema de famílias como a de Ana Marta, moradora de Mauá, que buscam vaga em instituição especializada para garantir atendimento educacional e terapêutico aos seus filhos. Na região, são pelo menos 60 nesta situação. Isso porque o atendimento multidisciplinar é essencial para o desenvolvimento das crianças acometidas pela síndrome mental de origem ainda desconhecida e que não tem cura.

O artigo 208 da Constituição brasileira diz que é dever do Estado garantir “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”, condição que também consta no artigo 54 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A legislação também obriga as escolas a terem professores preparados para ajudar alunos com deficiência a se integrarem nas classes comuns. No entanto, nem sempre a teoria se aplica à pratica.

Incentivada pela própria escola estadual, Ana Marta transferiu o filho mais velho para a Apraespi (Associação de Prevenção, Atendimento Especializado e Inclusão da Pessoa com Deficiência de Ribeirão Pires), entidade que atende 315 crianças com idade entre zero e 12 anos gratuitamente, mediante convênio com prefeituras e o Estado, em agosto de 2014. Na época com 7 anos, Kaio apresentava características típicas do autismo, como dificuldade na interação social, prejuízo na comunicação e alterações comportamentais. Quase dois anos depois, os avanços saltam aos olhos: o garoto está sendo alfabetizado, já consegue se concentrar nas atividades, interage e brinca com os colegas, come e escova os dentes sozinho.

“Sei que vou ser apedrejada ao dizer que quero meus filhos em escola especializada. Mas, só acompanhando ele (Kaio) no dia a dia para ver a evolução. Ele estava desenganado, já não tinha quase nenhum contato visual. Hoje fala bem, vai ao cinema, passeia no shopping e até atende o telefone de casa”, orgulha-se Ana Marta.

Observar a melhora do filho mais velho traz angústia ao coração da mãe. Isso porque o mais novo não conseguiu vaga na unidade especializada e segue em escola da rede municipal. O tratamento do autismo, quando realizado corretamente, pode dar ao paciente rotina funcional, desenvolvendo habilidades necessárias para ter qualidade de vida. No entanto, os estímulos precisam ser iniciados o quanto antes. “É uma corrida contra o tempo. O Jonatas já está com 5 anos, mas passou a tomar medicamento duas vezes ao dia, tem ficado mais em casa porque não consegue conviver em comunidade, ainda não saiu das fraldas, fala enrolado. Quero que ele tenha a mesma oportunidade do irmão”, garante.

Atualmente, Jonatas frequenta a rede pública, onde convive com 25 crianças, em média, na sala de aula. No dia a dia, conta com auxílio de cuidadora, além da professora da classe, e recebe AEE (Atendimento Escolar Especializado) uma vez por semana. “Estamos na fila de espera para que ele passe com fonoaudiólogo no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e para ecoterapia (terapia com cavalos), mas ainda nada”, lamenta a mãe.

Conforme explica a psicóloga e coordenadora do centro de atendimento a alunos autistas da Apraespi, Elisabete Fernandes Pereira Justi, é fundamental o trabalho multidisciplinar realizado em parceria entre o professor e técnicos da área da Saúde, como fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, neurologista e psiquiatra, na busca pelo desenvolvimento integral do aluno autista. “O atendimento especializado faz grande diferença na vida da criança com autismo, estimulando todas as suas potencialidades. São no máximo seis alunos por sala de aula”, ressalta.

Superintendente da entidade especializada de Ribeirão Pires, Lair Moura Sala Malavila Jusevicius lembra que, apesar de as políticas públicas direcionarem os autistas para a inclusão, nem todas as crianças conseguem se adaptar. “As famílias têm procurado cada vez mais os centros específicos, mas o número de vagas dos convênios é praticamente o mesmo há anos. Falta conscientização dos gestores.”

Caps é porta de entrada para terapias

Crianças com autismo incluídas na rede pública de Educação têm acesso aos serviços de Saúde e terapêuticos nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) infantis. As unidades oferecem gratuitamente atendimento com profissionais como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo e psiquiatra, por exemplo.

Em Santo André, estão inseridas na rede de Saúde 30 crianças e adolescentes, com idade entre 2 e 18 anos atualmente. Conforme a administração, não há demanda reprimida. A Pasta informou ainda que os casos diagnosticados como autismo, dependendo do grau de comprometimento e com o olhar na possibilidade de inclusão do paciente na sociedade, são atendidos na rede intersetorial, que inclui desde escolas e atividades físicas, como o Nanasa (Núcleo de Apoio à Natação Adaptada de Santo André).

Ribeirão Pires destacou que as crianças com suspeita de autismo são encaminhadas pelas escolas para a Apraespi (Associação de Prevenção, Atendimento Especializado e Inclusão da Pessoa com Deficiência), onde é agendada avaliação com equipe multidisciplinar da entidade, que também oferece terapias. Há hoje 14 alunos autistas incluídos em escolas municipais na cidade.

Já em Mauá, os atendimentos são prestados em UBSs (Unidades Básicas de Saúde), no Centro Especializado de Reabilitação 4, Caps infantil, Hospital Nardini e Centro de Referência em Saúde da Mulher, Criança e Adolescente. Os usuários são acompanhados por equipes interdisciplinares, compostas por médicos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, educadores físicos e farmacêuticos.

Os demais municípios não se manifestaram até o fechamento desta edição.

SÍNDROME

O autismo é uma síndrome que afeta três áreas do desenvolvimento humano: comunicação, socialização e comportamento. O diagnóstico da criança está sendo realizado cada vez mais cedo, a partir dos 18 meses. Porém, é considerado concluído aos 3 anos, segundo a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças).  




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