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Fundação vai priorizar oncologia
Por Adriana Gomes
Do Diário do Grande ABC
19/02/2006 | 07:45
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Com a difícil missão de substituir Homero Nepomuceno Duarte na presidência da Fundação do ABC, o médico ginecologista e obstetra Francisco Jaimez Gago, 41 anos, tomou posse neste mês, como representante de São Bernardo no esquema de comando tripartite da instituição. Até então, Jaimez Gago era o vice, numa gestão que foi considerada acima da média por usuários dos serviços, funcionários e as administrações municipais envolvidas. Diferentemente do hiperativo Nepomuceno Duarte, o novo presidente é homem de aparência mais calma e discreta timidez – ele, inclusive, confessou à reportagem que tentou fugir da entrevista, em tom de irônica sinceridade. Enredado pelo inevitável, Jaimez Gago conversou com o Diário exibindo sorriso franco e firmeza de quem tem consciência da missão a seguir. O médico – que foi aluno da Faculdade de Medicina do ABC e trabalhou no Hospital das Clínicas, em São Paulo – afirmou que suas prioridades na área de atendimento à população estarão centradas nos setores de Oncologia, Geriatria (“atendimento ao idoso”) e tratamento de diabetes. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

DIÁRIO – Já existia um consenso em torno do seu nome para a presidência da fundação, ou a indicação foi uma supresa?

FRANCISCO JAIMEZ GAGO – Foi consenso. Quando assumi a gestão com o Homero, que foi indicado por Santo André, sabia que o próximo presidente seria de São Bernardo, e que minha indicação nesse período seguinte seria natural. Assim como nesta gestão o vice-presidente é de São Caetano (Marco Antonio Espósito, médico especializado em Administração Hospitalar) e a tendência é que ele me substitua no próximo biênio, já que o próximo presidente deve ser de São Caetano. O Homero continuará no Conselho de Curadores da fundação e deve reassumir o posto dele na Secretaria de Saúde de Santo André.

DIÁRIO – Quais serão as prioridades da sua gestão? E o que ainda precisa ser melhorado na fundação, especialmente no que se refere ao atendimento médico prestado à população?

JAIMEZ GAGO – Quero credenciar os centros de Oncologia da fundação (Faculdade de Medicina e unidades mantidas que prestam atendimentos aos portadores de câncer na região – Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André; Hospital de Ensino Anchieta e HMU – Hospital Municipal Universitário, em São Bernardo), que não recebem verba federal (conforme denunciou reportagem do Diário no ano passado). Hoje, tentamos atender a demanda dos pacientes com câncer porque não podemos dizer ‘não’ a ninguém nessas circunstâncias, mas é difícil bancar os custos. E, no geral, é um absurdo que tenhamos tão poucos leitos de UTI credenciados junto ao SUS (Sistema Único de Saúde) nos hospitais mantidos pela fundação. São apenas 20 no Mário Covas, outros seis no Anchieta e mais 21 no HMU.

DIÁRIO – O que ainda emperra esse processo de credenciamento junto ao governo federal? Alegam só burocracia?

JAIMEZ GAGO – (sorrindo) Talvez entre um pouco a questão da burocracia, mas também devem achar que temos recursos suficientes (o orçamento de 2005 da fundação foi de R$ 211 milhões, com despesa de aproximadamente R$ 206 milhões, portanto, houve excedente financeiro de R$ 5 milhões, que oficialmente estariam sendo aplicados em construções de prédios e novos serviços). Acontece que, conforme a excelência do atendimento vai acontecendo, atraímos cada vez mais demanda.

DIÁRIO – Ainda sobre prioridades, o fato de o senhor ser coordenador do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher em São Bernardo fará com que valorize esse setor de atendimento ou crie alternativas nessa área no âmbito da fundação?

JAIMEZ GAGO – (sorrindo) Obviamente que tenho carinho pela saúde da mulher, que tenho outro olhar sobre essa área. Mas, nós médicos temos de priorizar o tratamento do filho que está pior. Por esse raciocínio, precisarei dar mais atenção ao atendimento oncológico, aos idosos e aos diabéticos. Também temos fila na área de Oftalmologia, então, é preciso ampliar o atendimento. Na área de Ginecologia, Obstetrícia e atendimento à mulher, já temos uma excelente maternidade de alto risco, um ótimo serviço de Medicina Fetal, mastectomia (cirurgia de retirada do seio para pacientes com câncer) com direito à reconstrução mamária... Também queremos ampliar o atendimento a clientes de convênios médicos. Hoje, tal atendimento funciona em horário diferenciado, para que o atendimento gratuito aos pacientes do SUS seja feito durante a maior parte do dia.

DIÁRIO – E de que forma o senhor pretende incrementar o atendimento aos usuários de planos de saúde na fundação? Quais são os convênios atendidos atualmente? Na última entrevista concedida ao Diário, o ex-presidente Nepomuceno Duarte mencionou que novas parcerias estavam para ser firmadas, e que a iniciativa aumentaria o leque de opções...

JAIMEZ GAGO – Temos a expectativa de que o atendimento a particulares e convênios venha a representar 10% de participação nas receitas deste ano (no final do ano passado, Nepomuceno Duarte informou que essa fatia estava em torno de 3%). Preciso me informar melhor sobre as empresas atendidas – sei que atendemos o pessoal do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público do Estado de São Paulo) e da Unimed, mas, neste último caso, é só o plano dos funcionários. E estamos negociando com outras empresas: vamos colocar um novo responsável para incentivar mais credenciamentos. Vale dizer que cobramos consultas para particulares pela tabela da AMB (Associação Médica Brasileira) – R$ 45.

Obs.: Em entrevista concedida ao Diário no final do ano passado, Nepomuceno Duarte disse que a fundação já havia fechado contrato com as empresas Med Service e Marítima. Ele informou ainda que Sulamérica e outras empresas estavam em processo de credenciamento. A reportagem pediu por ocasião da atual entrevista relação detalhada dos convênios atendidos no momento. As empresas citadas pelo ex-presidente não foram confirmadas pela assessoria de imprensa da fundação.

DIÁRIO – O que o senhor pretende melhorar com relação à Faculdade – quanto aos novos cursos e ações na área de ensino?

JAIMEZ GAGO – Inauguramos neste ano os cursos de Fisioterapia, Nutrição e Terapia Ocupacional, que se somam aos já tradicionais, de Medicina, Enfermagem e Ciências Farmacêuticas. E estamos confiantes de que já em 2007 vamos abrir um curso totalmente novo no Brasil, o de Saúde Ambiental. Considerando que vivemos numa região que tem diversas áreas de mananciais, acredito que será uma formação muito útil por aqui. Há uma equipe trabalhando intensamente na formatação desse curso, mas depois desse passo ainda dependeremos da aprovação oficial.

DIÁRIO – Como o senhor vê a situação dos médicos que foram remanejados do PS Central de São Bernardo – a partir da transferência de gestão para a fundação – e se mostram insatisfeitos atuando em outras unidades, fato que teria piorado a saúde do município como um todo? Temos recebido no Diário, por exemplo, reclamações relativas à diminuição de carga horária dos profissionais e, conseqüentemente, de salário. Também há questionamentos na Justiça e no Ministério Público relativos à legalidade do processo de transferência. Por fim, há também os que observam que a Fundação não tem experiência no atendimento de porta aberta, e que o PS não teria melhorado efetivamente...

JAIMEZ GAGO – Acredito que, de forma geral, tenha sido um ganho a fundação assumir o PS. Que eu saiba, não houve retaliação, e sim, readequação do corpo de médicos. Havia oito unidades com problema de falta de médicos na cidade, hoje não há mais. A idéia é integrar a unidade com os hospitais que já administrávamos em São Bernardo – o Anchieta e o HMU. A propósito, o PS Central já é efetivamente um hospital, afinal, tem mais leitos de clínica médica do que o HMU. Entendo, então, que estamos criando uma extensão do HMU no PS, sendo o PS uma unidade de emergência do HMU. Sobre a redução de carga horária dos médicos, é opcional. De fato, há reclamações e pedidos de demissão por parte dos médicos, mas, no geral, reafirmo que novo modelo é melhor para a população. Embora tenha sido primeiro grande serviço de porta aberta que assumimos, sei que temos capacidade de fazer um ótimo trabalho. O problema maior, acredito, era o PS ser um hospital e não ser reconhecido como tal. Estabelecemos que a espera máxima seja de 2h, mas isso, claro, para paciente que chega lá com uma dor de garganta. Para as emergências, o atendimento é imediato. Temos inclusive cirurgião de retaguarda para esses casos que exigem atendimento em tempo recorde. Em tempo, a Ginecologia do PS já era da nossa responsabilidade.

DIÁRIO – A receita estimada para este ano, de R$ 240 milhões, e as condições de trabalho na fundação representam um oásis em meio ao caos da Saúde Pública ou, ao contrário do que a maioria possa pensar, esse montante se mostra às vezes insuficiente para os programas da fundação?

JAIMEZ GAGO – (sorrindo) Em saúde, quase sempre as verbas são insuficientes. Na área de Oncologia, por exemplo, o tratamento é muito caro, especialmente a medicação. Não podemos esquecer que estamos à disposição de um contingente populacional de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas e as demandas tendem a aumentar o tempo todo. No ano passado, por exemplo, tivemos de retardar inauguração de setor de Pediatria no (hospital) Mário Covas porque não tínhamos recursos suficientes. E não podemos falar só em assistência, já que precisamos investir também em ensino e pesquisa.

DIÁRIO – Por falar em pesquisa, há projetos de novos investimentos nessa área, de forma que a Fundação do ABC se torne grande referência, como a USP (Universidade de São Paulo) e as federais?

JAIMEZ GAGO – Eu acho que nesses últimos anos já estamos em franco processo de solidificação dos trabalhos de ensino e pesquisa. O primeiro grande passo foi a recente inauguração do Cepes (Centro de Estudo, Pesquisa, Prevenção e Tratamento em Saúde). Também estamos dando puxão de orelha para que professores façam mais pesquisas (sorrindo). Aqui, 70% dos professores têm mestrado e doutorado. Queremos intensificar todo esse trabalho, a exemplo do que já fazemos nas áreas de reprodução humana, células-tronco, hepatites. Já temos também aparelhos patenteados pela fundação.
Obs.: exemplo de patente feita em 2005 é o aparelho RL-50, para terapia fotodinâmica, utilizada no tratamento de melanomas e outros cânceres de pele. Foi desenvolvido pelo médico João Paulo Tardivo, pesquisador da fundação; o mérito principal do aparelho é baratear para US$ 1 mil o custo de equipamento similar, importado, que sai por U$ 150 mil. O RL-50 usa fonte de luz não-laser, não exige internação do paciente e não limita as sessões do tratamento.

DIÁRIO – Hoje, boa parte dos formandos de Medicina optam por especialidades que estão na moda e/ou que dão mais dinheiro, como Cirurgia Plástica, e comprovadamente faltam médicos generalistas na rede pública de saúde. A fundação incentiva/vai incentivar a formação de clínicos gerais?

JAIMEZ GAGO – Você tem razão. E, sim, a fundação incentiva a formação de médicos generalistas. Queremos, inclusive, montar a residência para esse médico; para isso, a grade curricular já foi alterada neste sentido. Há demanda do Programa de Saúde da Família para absorver esses médicos – trabalho que nós administramos em Santo André e São Bernardo – e oferecemos ainda a pós-graduação em Medicina da Família.

DIÁRIO – É verdade que o PS de Vila Luzita (Santo André) também será assumido pela Fundação do ABC?

JAIMEZ GAGO – Sim, podemos confirmar isso, embora eu não possa lhe dar um prazo. Como no caso do PS Central de São Bernardo – salvo as proporções (no PS já administrado pela fundação, são feitos cerca de mil atendimentos/dia) –, queremos imprimir na unidade um atendimento de qualidade. Vale ressaltar que os profissionais contratados pela fundação para o PS terão todo o respaldo da escola, o que representa um diferencial.

DIÁRIO – E quanto ao IML de Santo André, que está em terreno da fundação doado pelo Estado mas não interage com a Faculdade de Medicina: o senhor pretende deixar como está ou tem outra idéia com relação ao espaço?

JAIMEZ GAGO – Penso em mudar o quadro, e há duas possibilidades: conversar com a Prefeitura e o Estado para reaver o espaço e, nele, ampliar as instalações da Faculdade de Medicina; ou mantê-lo, desde que os serviços sejam em parceria com a faculdade. Ou seja, de forma que as atividades do IML possam beneficiar os estudos dos alunos. Já estamos conversando com a Prefeitura sobre a possibilidade de transferência. O IML está ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado, que também teria de ser consultada. Precisamos liberar mais espaço para a área de ensino e, em princípio, essa parece ser a melhor proposta, a da saída do IML daqui. Mas não descartamos a manuetenção do serviço, desde que com algum benefício para a fundação. Do jeito que está, não pode ficar.




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