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MPF recorre de decisão que negou reparo à viúva de vítima da ditadura

União teria que pagar indenização financeira à mulher de ex-metalúrgico da Volkswagen, preso durante regime militar

Por Daniel Tossato
Do Diário do Grande ABC
05/04/2021 | 00:18
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Nario Barbosa/DGABC


O MPF (Ministério Público Federal) formalizou recurso junto ao TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) contra acórdão que negou reparação, por danos morais, a Livonete Aparecida Torini, mulher do ex-metalúrgico Antonio Torini, que atuou na montadora Volkswagen, em São Bernardo, em decorrência de o operário ter sido perseguido e torturado por agentes da repressão durante a ditadura militar.

O órgão alega, na ação, que a decisão da Justiça convalidou atos de repressão e perseguição política contra Antonio Torini e que a família do ex-metalúrgico, que faleceu em 1998, deveria receber indenização da União com intuito de reconhecer os excessos que ocorreram naquele período, que durou de 1964 a 1985. A União havia sido condenada, em primeiro grau, a pagar montante de R$ 150 mil, acrescidos de juros e atualização monetária.

“O presente processo tem por cerne o pedido de reparação de danos morais alegadamente sofridos por Antonio Torini, em razão de atos do aparato de repressão política durante o período da ditadura militar. O pedido é formulado por sucessores, em razão do óbito de Torini em 6 de março de 1998”, sustenta o embargo de declaração impetrado pelo MPF.

O Tribunal de Justiça reformou decisão de primeira instância e negou o pagamento da indenização à mulher e familiares de Torini. A alegação da Corte é a de que ele “praticava condutas criminosas (subversivas), eram investigadas pelo Dops (Departamento de Ordem política e Social)” e “que a prisão, incomunicabilidade, julgamento e banimento sofridos por Torini eram as consequências jurídicas de seus atos que atendiam à implantação de ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção política vigente”.

Para Livonete Torini, a decisão do Tribunal de Justiça traz “indignação” à família, uma vez que o ex-operário era considerado um “homem justo e bom pai de família”. “O Toninho sempre foi um bom pai de família, homem trabalhador e defensor dos direitos da classe. Eu, como esposa, fico indignada com uma decisão que tenta negar a história de vida de quem lutou tanto por um Brasil justo”, declarou Livonete.

Torini foi preso em agosto de 1972 na fábrica da Volks e levado para a sede do Dops, com base na Lei de Segurança Nacional – que, recentemente, voltou a ser utilizada no País. A montadora reconheceu que colaborou com a ditadura e que, por isso, dezenas de operários foram perseguidos politicamente. Torini foi um destes trabalhadores.

Para o presidente da Associação Heinrich Plagge, que reúne metalúrgicos que sofreram perseguição política dentro da Volks, Tarcísio Tadeu Pereira, a decisão da Justiça ignora a memória de Torini. “Chamá-lo de criminoso por ter se insurgido contra um regime de arbítrio é mexer com o que tem mais sagrado na luta dos trabalhadores, que é a memória. A ditadura é que foi criminosa.”

A manifestação do MPF rejeita a tese que Torini pudesse ser criminalizado por defender a luta armada, pois era militante do PCB, partido que se notabilizou por ter sido contra a resistência violenta à ditadura. Questionada sobre a situação da reversão da decisão envolvendo a reparação financeira a Torini, a Volkswagen declarou que não se pronunciaria por não ser uma das partes no processo.

Relatório oficial registra colaboração

Relatório oficializado pelo MPF e Ministério Público de São Paulo sobre o papel da Volks durante a ditadura foi divulgado na semana passada e confirma a colaboração da empresa com o regime. “Não me lembro de chorarmos pelo desaparecimento da democracia.” Esta frase traduz o posicionamento da multinacional nos anos de chumbo, e foi dita por Carl Hahn em entrevista à emissora alemã Das Erst. Ele, que chegou a ser presidente do grupo na Alemanha de 1982 a 1993, era diretor de vendas à época.

Com 64 páginas ao todo, o documento relata como se deu a perseguição política de alguns trabalhadores da montadora durante o período de repressão militar que geriu o Brasil entre 1964 e 1985. Os inquéritos para apurar os excessos realizados pela Volks foram iniciados em 2015.

Na papelada, os órgãos elencam diversos pontos em que demonstram que a multinacional contribuiu com a ditadura brasileira, desde o engajamento junto aos militares, até elaboração da “lista de indesejados” ou “listas negras”, nas quais os nomes de operários tidos como “militantes” eram assinalados e, com isso, não conseguiam mais empregos. “Essa cooperação foi muito além de mero suporte por simpatia ou da defesa dos interesses comerciais da companhia. A empresa, por decisão de sua alta direção no Brasil e conivência da direção da matriz na Alemanha, se envolveu diretamente na perseguição política a opositores do regime ditatorial”, sustentou a entidade no capítulo de conclusão do documento.

A Volks, como reparação, cumpre TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) no qual prevê reconhecimento dos problemas causados e pagamento de indenização aos familiares das vítimas.

De acordo com Tarcísio Tadeu, o relatório é a comprovação das denúncias que foram feitas pelos próprios trabalhadores. “Esperamos quase quatro décadas para a apuração e comprovação, a partir dos documentos oficiais, para comprovar a presença da montadora como cúmplices dos órgãos de repressão.”  




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