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Arte em tecidos é tema de exposição
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
19/07/2006 | 08:27
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Pelé comemora um gol sob o olhar introspectivo de Clarice Lispector, enquanto Avril Lavigne faz a infalível pose de punk de butique e Bob Marley desfruta da brisa. Ao fundo, Fred Astaire ensaia O Picolino e Sigmund Freud medita sobre as grutas psicológicas esculpidas pela mãe dos outros. Uma cena que, apesar da sugestão, não depende das façanhas digitais de um Forrest Gump nem das esculturas em cera que são especialidade de um Madame Tussaud, o famoso museu londrino. E, sim, da habilidade do artista plástico Júnior Lopes junto aos tecidos. Parte de seu trabalho está exposto em Pano pra Manga, mostra com entrada franca e que permanece em cartaz até 31 de agosto no Sesc Santo André.

Nesse museu de retalhos, estão expostos 23 dos 50 trabalhos que o autodidata Lopes calcula ter concluído nos últimos quatro anos, desde que aderiu à técnica. São retratos confeccionados em tecidos, com sobras de pano recortadas e costuradas conforme os contornos da personalidade em questão. Submete o ineditismo da técnica à reinterpretação de imagens-clichê, da iconografia do ídolo e do legado fotográfico/imagético que no século XX passou a ser sinal de imortalidade. A associação entre retrato e retratado é imediata, mesmo que o material seja um jeans torturado, como no caso de James Dean.

Paraense de Castanhal e há oito anos em São Paulo, Lopes, 35 anos, é ilustrador com currículo recheado de trabalhos publicados em jornais e revistas de circulação nacional. A descoberta da técnica tem toda pinta de epifania renascentista. “Parece até papo-furado”, alerta o artista, cuja sogra tem o hábito de costurar. “Um dia eu acordei e bati o olho nos retalhos de uma saia que ela tinha feito, uns pedaços brancos sobre um grande pano preto. Juro que vi ali o rosto de Jimi Hendrix”. Antes que a pergunta se insinue, Lopes garante que estava sóbrio, “careta mesmo”, na manhã em questão.

Passou a ser sua obstinação transferir o rosto de Hendrix para os tecidos cujo destino certo seria uma colcha ou uma saia de retalhos. Apanhou a capa de um álbum entre sua coleção de discos. Tentou uma, duas, três vezes até concluir o retrato que considerava ideal. O Hendrix em farrapos, que passou a ser o primeiro trabalho na técnica por ele desenvolvida, está entre as 23 obras exibidas no Sesc.

De sua alfaiataria bidimensional já saíram obras de tamanho médio e outras um bocado mais imponentes, como a da família de um amigo, de 2,5m x 3m. Atualmente, com a técnica aperfeiçoada, precisa de dez horas para concluir um trabalho e tem no Brás, o quartel-general das costureiras paulistas, seu principal fornecedor de matéria-prima.

Nem sempre foi assim. Para retratar a cantora Billie Holiday, bateu pernas atrás de tecidos com tons rubros e violetas. E para o Pelé que confeccionou de costas, na decolagem de celebração de um gol, utilizou como pano de fundo a napa que revestia um velho sofá. Mas essa história de esfolar mobiliário e escalpelar estofamento em nome da arte é coisa do passado. “Se eu fizer isso com o sofá que a gente tem agora em casa, que está com um pano bonitinho e tal, minha mulher me mata”.

Pano pra Manga – Em cartaz na área de convivência do Sesc Santo André – r. Tamarutaca, 302. Tel.: 4469-1250. De terça a sexta, das 13h às 22h; sábados, domingos e feriados, das 9h às 18h. Entrada franca. Até 31 de agosto

 



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