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Um empresário da pipa na favela
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
26/01/2006 | 08:08
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Se o ajuntamento de casas formam uma paisagem monótona nos morros da periferia, o mesmo não pode se dizer do céu. Lá, os ares são mais coloridos, lotados de pássaros de papel com asas de todos os tons. É a pipa, ou “o” pipa, como preferem chamar. Brincadeira que começa na infância, na fase adulta vira hábito que marmanjo nenhum tem vergonha de praticar. Marcos Aparecido do Lago, que mora no Jardim Olinda, em Mauá, é assumidíssimo. E transformou o gosto pelo brinquedo em jeito de ganhar dinheiro. Mais um, entre tantos, pequenos “empresários” de bairros carentes da região, que tem na criatividade um trampolim para se livrar do aperto.

Marcos vende 42 mil pipas por ano, no atacado e varejo. Tem uma fabriqueta nos fundos de casa, e nos meses de férias faz da garagem a loja em que exibe o produto. É um entra-e-sai de molecada que não acaba mais, levando as moedinhas na mão. Com 30 centavos dá para deixar a loja com sorriso no rosto, mas sem a rabiola. A mais cara sai por R$ 1,50. “Na periferia não tem opção pras crianças se divertirem. O pipa é baratinho. Por isso que todo mundo compra. É assim que o pobre se diverte. Sem contar que empinar pipa na laje é o que há”, define o comerciantes.

A fabriqueta funciona nos meses em que a venda de pipas é mais fraca, de março a junho e de agosto a novembro. O negócio emprega três funcionários, e os pais de Marcos ajudam na produção do brinquedo, confeccionado artesanalmente em oito tamanhos diferentes. Outras três vizinhas do jardim Olinda também garantem uns trocados, preparando as rabiolas de plástico. Equipe suficiente para fazer cerca de 500 unidades por dia. “Desde que sou moleque eu vendo pipa. Fazia para mim mesmo, aí os outros meninos viam e queriam comprar. Fui crescendo, e não tinha muita perspectiva de conseguir emprego. Aí abri a minha fabriquinha. Faz uns 10 anos já”, lembra.

Uma pipa “caçula”, a menor do mercado, com rabiola e cem metros de linha custa R$ 2,50. Brinquedo quase descartável, garantir a sobrevida da pipa é motivo de orgulho. “Mas o mais comum é a mesma criança voltar aqui duas vezes num mesmo dia. Não é tão fácil quanto parece. Tem que ter a manha”, ensina o especialista.

Com que trança? – Engrossando a legião de trabalhadores autônomos da periferia, Terezinha Martins da Silva, 40 anos, também garante seus pulos. Durante o dia, é merendeira de uma escola infantil que fica perto de onde mora, no Jardim Maria Helena, em Diadema. Nas horas vagas, é cabeleireira especialista em cabelos afro, e improvisa um salão na sala de casa. Se tivesse que escolher um dos dois serviços, não poderia. Adora as crianças, ama lidar com tratamentos de beleza. “Beleza na periferia é artigo de primeira necessidade. É importante se cuidar, deixar o cabelo bem bonito. Não é porque é pobre que tem que andar com má aparência”, ensina.

Falta de dinheiro? No salão da Terezinha, dá-se um jeito. Paga quando puder, divide em várias parcelas, a cabeleireira não encrespa quando o assunto é fiado. “E tento cobrar um preço mais camarada. No Centro, fazer trancinhas em cabelos afro custa muito caro. Cobro menos, para atrair meu público”, diz ela, que tem na “chapinha” a pior concorrente. “Tem mulher que tem cabeleira afro mas não se assume. Aí fica alisando.”

Boteco – Se cabeleireiro é fundamental, imagina então os botequins...”É o que mais tem. Disparado. Quem venda cerveja é cachaça é o que não falta por aqui. Pobre também tem happy hour”, conta o dono de boteco no jardim Zaíra, em Mauá, Antonio Evandro de Lima, 45. Começou vendendo bebida, e hoje tem uma espécie de minimercado. Tem um pouco de tudo: enlatados, caneta, açúcar, mortadela. E mesa de sinuca, claro.

O negócio garante o sustento da família. Trabalha muito, das 8h às 23h, e ganha pouco. O suficiente, e olhe lá. Ele mesmo atende ao balcão, porque o boi engorda mais na vista do dono. Tem pose de empresário, mas nega a fama. “Eu não tenho um negócio. Isso aqui é um quebra-cabeça, isso sim. Bem preferia trabalhar de carteira assinada.”




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