Política Titulo Entrevista da semana: arquiteto André Bomfim
‘Pós-pandemia será desafio para a arquitetura’
Por Bia Moço
do Diário do Grande ABC
05/10/2020 | 07:00
Compartilhar notícia
André Henriques/DGABC


Sucessor de Jorge Bomfim, um dos mais conceituados arquitetos do Grande ABC e fundador da Bomfim Arquitetura Construída, André Bomfim, 51 anos, avalia que “hoje em dia, a arquitetura está muito ligada ao País, Estado e agora se fala bastante” em modelo que remete à regionalidade. O profissional, que está à frente da empresa de Santo André, fundada nos anos 1960, acredita que arquitetos e urbanistas terão um “novo desafio, que não dá para saber o que vai acontecer, que é o pós-pandemia.” Bomfim destaca ainda a importância civil na política e defende a vinda do Metrô para o Grande ABC.

Sendo filho de Jorge Bomfim, arquiteto renomado que fez o prédio do Diário, o senhor decidiu seguir os mesmos passos de seu pai. Como foi sua trajetória na profissão?
Estudei arquitetura na Escola de Arquitetura de Barcelona, de 1990 a 1992, e me formei em arquitetura e urbanismo no Mackenzie, na Capital, em 1995. Desde que voltei de Barcelona comecei a trabalhar com ele, como arquiteto sócio e coautor de projetos. Participamos juntos do desenvolvimento do Eixo Tamanduatehy (projeto de revitalização de áreas ao longo da Avenida dos Estados no trecho de Santo André), com o ex-prefeito Celso Daniel. Ainda estava recém-formado, e vieram vários arquitetos e urbanistas. Trabalhei com o Nuno Portas e outras pessoas importantes no urbanismo, que pensaram Santo André, e isso foi bem bacana. Nessa época a gente fez, também, a Praça Matriz de São Caetano. Digo isso em obra pública, mas que não é o forte do escritório. Aqui nos especializamos naquilo que chamamos de arquitetura construída. Então, às vezes, chamam de construtora, quando na verdade a Bomfim é um escritório de arquitetura, que foi fundado pelo meu pai, Jorge Bomfim, nos anos 1960. Com certeza escolhi isso me espelhando nele em todos os aspectos.

E como foi a carreira do seu pai no Grande ABC, onde construiu grandes obras?
Meu pai também se formou no Mackenzie, na Capital. Foi convidado pelo então prefeito de São Bernardo, Lauro Gomes, para trabalhar como diretor de planejamento, adaptando a cidade à nova política urbanística que eles teriam com todas as montadoras. Isso no começo dos anos 1960. Naquela época, meu pai, como diretor de planejamento, abriu a Rua Jurubatuba, no Centro, e fez o Paço Municipal, ambos como funcionário público. Desencantado com a política, ele abriu o escritório. Fez o Fórum de Santo André, junto com o Centro Cívico Municipal, projetado pelo escritório Rino Levi, em 1965. Na verdade, o projeto de todo o Centro Cívico é do Rino Levi, o Fórum do meu pai, e o paisagismo, de Roberto Burle Marx. Meu pai fez também a Fundação Santo André, que na época era Centro Universitário do ABC, onde construiu o Centro de Processamento de Dados, e os prédios da Faeco (Faculdade de Economia) e da Fafil (Faculdade de Filosofia), que foi premiado na 1ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, da USP (Universidade de São Paulo), e até fora do Brasil. Iniciou com alguns prédios na Vila Assunção e foi a primeira pessoa a fazer um prédio no bairro Jardim, em Santo André, no início dos anos 1980, quando só tinha prédios no Centro, Vila Assunção e um pouco em volta do Paço.

Quais foram as principais mudanças da arquitetura nos últimos anos?
Nossa, muitas. A arquitetura é ser contemporâneo. Não é estilo. É uma consequência do mundo que a gente vive, com o aspecto de estar construindo uma moradia, um escritório, ou seja, é uma arte que você habita. Não vai só se reinventando, como também progredindo. O que você tem na arquitetura é as mudanças em diversos momentos. Hoje em dia, a arquitetura contemporânea está muito ligada ao País, Estado, e agora se fala muito em uma arquitetura regional, que te remete ao local onde se vive, ao seu território. E tem o novo desafio, que não dá para saber o que vai acontecer, que é o pós-pandemia.

De que maneira a pandemia afetou o ramo da arquitetura, já que lançamentos de prédios, por exemplo, foram adiados?
Na época da quarentena mais forte, como a gente trabalha como investidor, demos uma colocada no freio. Interferiu em 30%. Só que agora teve aumento de quase 50%. E foi muito rápido. Tanto que a gente estava lançando um prédio e com a pandemia tivemos de parar porque não tinha como comprar o terreno. Fiquei com receio de lançar em meio àquela situação, mas vendeu tudo. Isso foi entre julho e agosto. Os imóveis que eu tinha parado em estoque já foi tudo. Só na última terça-feira recebi três ligações para alugar um imóvel que loquei na segunda-feira. Está superaquecido o mercado, e inclusive, faltando material, como o aço para construção civil. Teve uma demanda represada. Acho que essa pandemia mexeu com todo mundo e as pessoas estão vendo a importância de ter um patrimônio, o que é o dinheiro em banco, essa volatilidade, que acho superimportante e é uma coisa que a gente sempre prezou.

Como o senhor avalia o futuro da arquitetura?
A arquitetura é muito abrangente. Nos setores de incorporação e arquitetura residencial são as construções em que o bem estar, bem viver e a verdade no produto estão em voga. A nova geração não tem tanto apego a carro, a patrimônio, não tem tanta propriedade e o aluguel pegou bastante.

Qual é o papel da arquitetura na sociedade?
Primeiro é ler os anseios. Não vejo a utopia de a arquitetura salvar a humanidade e deixar mudanças, acho que nossa função é servir à sociedade, seja com a nossa capacidade de inventividade, de fazer um local onde sinta o prazer de viver. Acho que a arquitetura impacta na sociedade, privilegiando no arquiteto o aspecto humano e social.

Na sua avaliação, de que maneira a arquitetura auxilia na construção de uma sociedade mais sustentável?
Vou usar o exemplo do edifício Bauhaus. Fizemos ali coleta de água da chuva. Coleta, trata no prédio e irriga o térreo, assim como as jardineiras do prédio inteiro. Então fizemos uma fachada verde e plantamos em todas as 32 jardineiras. O zelador vai lá, todo fim de tarde, e rega. Daqui há um ano, já começa a se formar um prédio de fachada toda verde. E o que acontece para isso? Estou aproveitando água, tratando, reutilizando e fazendo uma área verde que traz conforto, beleza e charme. Temos ainda as energias renováveis. Não a solar, porque isso já vem há um tempo. Estamos estudando, em um novo empreendimento, fazer uma cogeração de energia dentro do prédio, onde se tem um gerador a gás que produz energia, e o calor que gera aquece a caldeira. Então tudo isso influi na arquitetura.

Atualmente, quais as dificuldades enfrentadas pelo setor?
Antes era a aceitação, hoje acho que as pessoas já estão mais acostumadas, ou mais treinadas, para uma coisa melhor e mais diferente. Acho que nosso maior desafio é surpreender, criar uma coisa que faça você pensar e sentir para que se tenha vontade de entrar, de viver.

O conceito de cidades inteligentes tem sido cada vez mais debatido. Como a arquitetura pode contribuir para o desenvolvimento deste conceito no Grande ABC?
Muito. Aliás, num aspecto regional de moradia, acho que o escritório foi muito importante na identidade visual do bairro Jardim. Não só nisso, mas no paisagismo, calçadas mais largas e em deixar o bairro mais bonito. Regionalmente temos coisas contemporâneas lá.

Seu pai, Jorge Bomfim, foi responsável pela elaboração do Paço de São Bernardo e de outros prédios importantes da região, como o Fórum de Santo André, inclusive a sede do Diário. Qual é a ligação de vocês com o Grande ABC?
Total. É história, família, regionalidade. O escritório teve um papel muito importante em criar, ou ajudar pelo menos, a criar um espaço urbano aqui. Meu pai fez o projeto da Coronel Oliveira Lima, o primeiro calçadão comercial que teve, isso lá em 1980. Estamos enraizados. E está na hora também de o Grande ABC voltar a ser protagonista, porque teve uma época, entre 1950 e 1970, com a chegada das indústrias, que era. E aí logo depois da crise sindical ficou nessa rebarba até agora. Fizeram o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, mas parece que ainda falta realmente uma atuação maior. Imaginei que, com quatro prefeitos do mesmo partido (PSDB), teria uma importância maior e, ao que parece, não é tão atuante como antigamente. Falta diálogo, assim como falta força política para trazer o Metrô para cá, que seria muito bom. Essa mobilidade para Capital é muito importante, um ponto comum, e seria importante para que a gente pudesse se travestir dessa coisa de cidade provinciana, interiorana, caipira, e sim, ir para frente. Tomara que mude. Acho que essa pandemia vai levar as pessoas a viverem cada vez mais em sua regionalidade. E para movimentar a economia local, comércio, precisamos ter orgulho da nossa região.

Ainda há espaço para a arquitetura moderna no crescimento urbano da região?
Isso é uma grande falha do Brasil como um todo. Por sempre ter sido grande, não se preocupou como a Europa no desenvolvimento e crescimento urbano, para onde vai e como vai. Regionalmente falando, isso faz parte de um debate que estamos fazendo na Prefeitura de Santo André, junto com o prefeito Paulo Serra (PSDB), de um plano diretor para a cidade. E de maneira totalmente desvinculada do interesse do escritório ou de um sindicato. É uma nova tipologia, em que pegamos o mapa da cidade, junto com a equipe da Prefeitura, e fizemos novo mapa.

Como integrar a arquitetura moderna, que é um alento para a ‘selva de pedra’ a qual vivemos, às necessidades da sociedade atual?
Se envolvendo na sociedade civil. Não tenho o menor perfil e interesse em atuar na política, mas é ter atuações políticas sendo um cidadão. Temos de ir atrás de melhorar. Porque se a cidade for melhor para mim, é também para os meus familiares, para a economia, e tudo flui melhor. Não é para um interesse de um empreendedor, um prefeito. É do todo. Papel do arquiteto deveria ser, e tem de ser, mais atuante. Não só receber encomendas e fazer os prédios, e sim, pensar na cidade e na sociedade, e cobrar os políticos e ações políticas para que isso seja efetuado. É tentar uma cidade que preserve seus parques, história e onde tenha um crescimento correto, sustentável.

RAIO X
Nome: André Bomfim
Estado civil: Casado
Idade: 51 anos
Local de nascimento: Santo André
Formação: Arquitetura
Hobby: Música
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: A Montanha Mágica, de Thomas Mann
Artista que marcou sua vida: Vincent Van Gogh
Profissão: Arquiteto e empresário
Onde trabalha: Bomfim Arquitetura Construída
Time do coração: Santos




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;