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O homem e a arte de guerrear
Por Rodolfo de Souza
28/02/2019 | 07:00
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O homem gosta de fazer guerra. Guerra para tomar o que é do outro. Guerra vã que concede poder momentâneo e sofrimento infindável. Dor para o oprimido e dor para o opressor que não vence, senão por meio de muita luta, que requer perda material e de vidas que se vão sem sequer desfrutar do bem espoliado. E daí? Fica para o companheiro vivo o deite, fazer o quê? É, afinal, daquele que permanece de pé a glória de usufruir da riqueza alheia. E de fato a impressão de ter ganhado alguma coisa fica para o que, além de vivo, conserva pernas, braços e olhos que podem testemunhar o retorno à vida. E, apesar de lá no fundo saber que jamais tocará de verdade no produto do roubo, resta como consolo ao sobrevivente que visitou o inferno em troca de nada, o prêmio de ter escapado dele.

Mesmo assim, esse sentimento bom de ainda possuir um corpo inteiro, só meio esfolado e desnutrido, também não é suficiente para beber a morte do inimigo, uma vez que a mente, atormentada pela barbárie, não colabora muito e tende a sabotar a alegria que se esforça para renascer e celebrar. Por voltar mutilada do front, é que essa mente se torna presa de angústias e transtornos que não permitem ao soldado, agora junto dos seus, viver a plenitude da vitória. Uma vez consolidada, claro.

Mas é de suma importância considerar também aqui a existência de um ser humano que cultiva enorme apreço pela matança por atacado. É ele, afinal, quem faz a guerra, guerra para os outros guerrearem. Sua arma, a mais devastadora, se limita a uma elegante caneta que, sem fazer barulho, traça o destino de populações inteiras, subjugadas pelo poder supremo. É assim que funciona.

E o tolo empola o peito, cheio de orgulho, e corre se alistar para defender a pátria.

“Mas sua pátria não está sendo atacada!” – indaga, inconformado, alguém dotado de visão mais ampla.

“De qualquer forma, há uma guerra. Por isso é que preciso marchar” – defende-se o bravo guerreiro, alegando ainda que sua rica nação, sempre imbuída do sentimento de justiça e dever, empenha-se mais uma vez para defender a democracia, ameaçada lá adiante pelo tirano devorador de gente.

E assim leva a vida quem passa o tempo arquitetando novas guerras, já que por sua mente sórdida navega um sem fim de ideias nefastas que visam invadir o quintal alheio sem que a sociedade tome ciência de sua real intenção.

É, pois, por meio dessas artimanhas que esse elemento humano, igualzinho aos demais de sua espécie, passa a deter imenso poder sobre sua gente e sobre as pessoas de outras partes também. Tem até chefe de estado, cujo olhar deveria estar voltado para o seu povo faminto e ignorante, empenhado em se aproximar daquele e se apropriar, nem que seja de um mísero centímetro, de sua bota, para ali depositar a língua, no afã de lustrá-la e contemplar o seu brilho e o consequente brilho nos olhos do seu ídolo.

E é por causa dessas e outras que o homem, igualzinho aos outros, se sente ainda mais forte e cheio de inspiração para promover mais guerras e sofrimento. Para nada.




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