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Ocupação engole 41% de mananciais
Andrea Catão e
Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
09/10/2005 | 07:52
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A expansão urbana engoliu os mananciais do Grande ABC. Hoje, mais de 40% do solo localizado dentro dos limites de proteção ambiental estão tomados. Dos terrenos protegidos pela lei que ainda estão livres de casas e favelas, só 5% apresentam condições favoráveis para ocupação do ponto de vista físico. A maioria tem severas restrições de uso, por se tratar de declives acentuados e escorregadios. Na prática, sobraram os barrancos, os espelhos d’água da represa Billings e as porções de mata. A situação é “gravíssima”, na avaliação de especialistas.

O diagnóstico foi feito pela Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano), com base no Mapa de Uso e Ocupação do Solo da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) e da Bacia Hidrográfica, divulgado na última quarta-feira. O estudo mostra o avanço da mancha urbana pelos 39 municípios que circundam a capital e revela que a ocupação atinge áreas estratégicas para a sustentabilidade da região: as de proteção ambiental essenciais para a produção da água e às destinadas ao cultivo de hortifrútis.

Dos cerca de 1,1 mil km² de expansão registrada nos últimos 30 anos em toda RMSP, 37% atingiu os mananciais. No Grande ABC, a urbanização alcançou 98 km² em três décadas. O problema é que, na região, mais da metade desses quilômetros estão em área de proteção ambiental, o equivalente a 52 km². “A área de proteção de manancial no ABC paulista já se transformou numa grande favela. Não só a sustentabilidade dos sete municípios, mas também de toda a Grande São Paulo será comprometida se esse processo de ocupação não for brecado imediatamente. Estamos na contramão da história. E reverter o quadro predatório em que se encontra esse cinturão-verde vai consumir esforços e investimentos enormes”, avalia o presidente da Emplasa, Marcos Campagnone.

O Grande ABC tem 827 km², e 464 km² estão dentro do limite de proteção aos mananciais. Descontando a área ocupada pelas matas e pelas águas da represa, restam aproximadamente de 184 km² de solo. Em 76 km² “de chão”, a urbanização já avançou e abriga milhares de famílias em situação irregular, além de uma minoria que tem autorização para habitar a área. Dos 108 km² que teoricamente poderiam ser ocupados – sem considerar as restrições impostas pelas leis ambientais –, 77% são classificadas pelos geógrafos como de “severa restrição” para edificações. Ou seja, são barrancos e pequenas montanhas de difícil acesso e grande risco de deslizamento.

Em 30 anos, a combinação desastrosa entre falta de fiscalização e de políticas de habitação para as comunidades carentes levou a mancha urbana a quase sufocar a região de manancial. O presidente da Emplasa não arrisca previsões sobre um possível desastre ecológico. Mas admite que, se não houver um mutirão para conter a ocupação, a médio prazo a sustentabilidade de toda a RMSP estará comprometida. “É preciso que todos os municípios da Grande São Paulo pensem e realizem ações conjuntas. Como há muita mobilidade entre as 39 cidades, é fundamental repensar esse fluxo migratório. O Grande ABC já não é um pólo de atração tão forte, pelo desaquecimento da economia. Mas o adensamento continua”, explica Campagnone.

Das sete cidades da região, a situação de São Bernardo é a mais preocupante, por ser a que abriga o maior espelho d’água – 58,4 km² – de toda a RMSP. E dos irrisórios 6 km² de solo ainda desocupados e com condições favoráveis na área de proteção ao manancial do Grande ABC, quase 100% está dentro dos limites do município. “Só nas margens da Billings, são quase um milhão de pessoas adensadas, jogando esgoto e lixo diretamente no espelho d’água. E boa parte da represa está dentro de São Bernardo.”

Enquanto as famílias chegam sem fazer barulho às áreas de proteção, o governo do Estado e as prefeituras também silenciam quando o assunto é a ocupação, seja irregular ou não. O Dusm (Departamento de Uso do Solo Metropolitano), órgão estadual responsável pela fiscalização, não sabe dizer quantos dos 76 km² que estão dentro do território protegido e servem à urbanização estão legalizados. Além da falta de dados mais específicos sobre a mancha irregular, o Dusm tampouco consegue impedir as invasões. O departamento conta com quatro agentes, responsáveis por todo o Grande ABC. É como se cada um deles, sozinho, tivesse de cuidar de oito cidades do tamanho de São Caetano.




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