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Sesc Santo André exibe série de monólogos
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
27/06/2004 | 17:35
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Há quem prefira o eufemismo “espetáculo solo” ao lidar com monólogos, face aos narizes empinados que o “teatro de um ator só” encontra entre uma parcela da audiência. A nomenclatura importa menos que o formato na série Solo 5 x 1, que o Sesc Santo André abre no próximo sábado e com a qual pretende ocupar a programação de seu teatro durante cinco fins de semana, até 1º de agosto. Serão quatro montagens brasileiras e uma estrangeira, todas monólogos, “espetáculos solo” ou ainda, como indica a curadora Flávia Lopes Marques, derivados de um teatro que privilegia “a arte do ator, o ator em cena”.

“Um dos intuitos dessa programação é fazer com que as pessoas percam qualquer tipo de rejeição que tenham a monólogos”, afirma Flávia. Para essa insurreição cênica, que vai de encontro ao preconceito contra os solilóquios, vem até “manifestante” europeu: a atriz húngara Edith Kaldor levará ao Sesc andreense o solo Or Press Scape, produzido pela companhia holandesa Theater Gasthius.

Todavia, quem cortará a fita de inauguração do Solo 5 x 1, nos próximos sábado e domingo, é Renata Moré, atriz que representa o Grande ABC na mostra com Fantina, monólogo concebido na Cia. do Nó, em Santo André.

Se, no que diz respeito à aceitação do público, o monólogo difere de espetáculos maiores, na formação do intérprete também. “Você encara uma certa solidão no monólogo, mesmo que o diretor esteja sempre ali. É um processo solitário, mas que contribui muito para o entendimento do trabalho do ator, para a construção de uma lógica própria e individual de atuação”, diz Renata.

E solidão é o que não falta em Fantina, espetáculo levemente inspirado em personagem paupérrima que no romance Les Misérables, de Victor Hugo, arranca os próprios dentes para vender e dar de comer à cria. A tristeza épica que dá volume à obra do escritor francês aperta-se em uma única figura na adaptação de Renata Moré e Esdras Domingos, recriada como uma mendiga, mãe de um traficante, que espera o filho para comemorar seu aniversário com muita batata e vinho, conforme as preferências gastronômicas dele. Nessa espera, Fantina interage com uma estatueta de Santo Expedito, encontrada na rua.

A solitude teve papel determinante no processo de reformulação que Fantina atravessou, entre 1999 e 2003, respectivamente datas da primeira e da segunda montagem. “A solidão reforçou os aspectos políticos e sociais que o espetáculo gostaria de ter antes”, afirma a atriz, que revela uma certa panfletagem alojada na culatra da primeira montagem.

O caráter de elegia moderna não é exclusividade de Fantina na programação do Solo 5 x 1. O solo Diana também opera com o isolamento, em texto e interpretação de Celso Frateschi – que além de ator é também secretário municipal de Cultura de São Paulo e, na década de 90, foi secretário de Cultura em Santo André. Seu papel é de um professor que se apaixona pela figura feminina da escultura Saindo do Banho, de Victor Brecheret. No seu encanto pelo inanimado – pois os animados (leia-se amigos e familiares) não mais lhe inspiram confiança – reinventa a seu modo o mito de Pigmalião, escultor que apaixonou-se por uma de suas obras, Galatéia.

O holandês Or Press Scape trata de uma ermitã escondida não em suas desconfianças, mas à frente de seu computador. A atriz Edith Kaldor vive uma mulher em ostracismo por conta de sua dependência da internet, um universo ao mesmo tempo sedutor e carcereiro com seus chats (bate-papo eletrônico) e e-mails. “Ela (Edith) usa uma concepção diferenciada, pois tudo é projetado no palco por computador; nem luz ela usa no palco. Tudo com o que contracena são imagens”, afirma a curadora Flávia Lopes Marques.

Os outros dois espetáculos da mostra no Sesc têm como dossel a obra de autores consagrados. Em Caminheira, Wanda Stefania encarna personagens de Cora Coralina, a partir de excertos das linhas bem traçadas da escritora goiana, sobretudo do poema As Maravilhas da Fazenda Paraíso. Já Kerouac reencontra o criador beat Jack Kerouac ao fim de sua existência. O autor/personagem cabe justo nas pretensões do ator, diretor e dramaturgo Mário Bortolotto, que formula suas relações urbanas segundo a perspectiva do meio-fio, da sarjeta, do circo social coagulado.




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