Cultura & Lazer Titulo Homenagem
Lado exposto das paixões
Por Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
09/09/2010 | 07:06
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Os 40 anos de carreira da cantora Célia seriam celebrados em homenagem a João Bosco. O projeto era gravar um álbum com composições do artista mineiro, não fosse a sugestão do produtor Fernando Cardoso, de comemorar a efeméride com uma auto homenagem.

"Ele disse para eu gravar canções que nunca fiz, compositores que nunca cantei. Topei na hora. O engraçado é que depois a gente foi chegando com a mesma ideia de repertório", revela a cantora.

Assim surgiu O Lado Oculto das Canções (Som Livre, preço médio R$ 25), disco que passeia por diversos momentos da música nacional, lançando olhar apaixonado e refinado para composições que vão do brega ao contemporâneo.

"Sou uma cantora-intérprete. Acho que os compositores às vezes passam batidos por alguns detalhes. O intérprete é quem encontra o centro. Não pode extrapolar, o exagero é um horror, e nem ir para o nada, para a paisagem."

À prova da audição, vê-se que a reverência é ao poder da intérprete em lançar significados e nuances ao seu repertório. "Você tem que saber o que está cantando e saber o que está dizendo. Cantor que não compõe não pode pôr muito caco (na linguagem dramaturgica, improviso) na música."

Na abertura, com Vinho Antigo (Claudio Rabello e Dalto), em suave tom de bolero, os agudos de Célia é que dão o toque à declaração apaixonada explícita na composição. "Nesta música, estou mais para Sandy do que para Célia", brinca.

Em Se Não For Amor (Benito Di Paula), transformada em chorinho, a voz torna-se grave, para questionar se é ou não é amor o sentimento nutrido pelo parceiro.

Ao piano, contrabaixo e trompete, os arranjos fazem uma versão jazz de Não Vou Ficar (Tim Maia) e a voz fica ainda mais grave, para dar o aviso de que o relacionamento não tem mais solução. Desejo de Mulher (Zélia Duncan e Hamilton de Holanda) - a inédita do álbum - preserva o mesmo tom jazzístico, mas a voz atenua nos graves e brinca quando declara "não basta só dizer que me quer, coisa e tal / não basta um pôr-do-sol e uma mar sem sal".

Para recuperar Sonhos (Peninha), Célia buscou dar outra razão à canção. "Pensei comigo, como é que quem toma um pé na bunda pode ficar feliz? Ficaria sentida se terminasse um relacionamento destes. Como é que não tem volta? Claro que tem, e é aí que certamente eu vou ser mais feliz. Tem a coisa de cantar mais grave e depois uma oitava acima, meio mal mastigado."

Em Não Se Vá, com participação de Ney Matogrosso, oito violinos recriam o protuberante universo musical e amoroso de Jane e Herondy. "A dignidade com que foi feita essa música...não precisa ser mudada."

Nas composições dos mais jovens, como Adriana Calcanhotto (Vidas Inteiras), Ana Carolina (Aqui) e Zeca Baleiro (Cigarro), Célia subverte o senso comum do uso do violão e potencializa as canções - com piano, contrabaixo acústico e percussão (e bandoneon em Cigarro) - em seu sentido.

Outro lado oculto das canções estão nos arranjos. Apelo (Baden Powell e Vinicius de Moraes) ganha na harpa um tom de guarânia (gênero musical paraguaio). O bolero Cantiga de Quem Está Só (Evaldo Gouveia e Jair Amorim) vira uma zamba argentina.




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