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Imagina na Copa

Penso que foi uma soma de ingredientes que fez tão forte e recorrente essa expressão popular

Por Carlos Ferrari
Do Diário do Grande ABC
24/05/2014 | 07:00
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Penso que foi uma soma de ingredientes que fez tão forte e recorrente essa expressão popular, que virou até hashtag. Dentre eles, destaco um pouco de pessimismo decorrente de uma autoestima nacional por décadas rebaixada e ferida, mais uma boa pitada de má vontade generalizada dos diferentes veículos de mídia, tudo isso corroborado por uma incompetência administrativa, mesclada com um grande ímpeto de corrupção por governos suprapartidários. Aí não deu outra, o ‘Imagina na Copa’ se fortaleceu e a cada dia ganha ainda mais robustez.

Pessoalmente, sempre refutei muito essa ideia, visto que acreditava que a chegada de grandes eventos como a Copa do Mundo no Brasil poderia ser uma oportunidade revolucionária para avançarmos na viabilização de infraestrutura e serviços básicos, que dariam outro patamar de qualidade de vida para a população em geral. Agora, pertinho do início dos jogos, me pego mesmo que a contragosto, repetindo o mantra que por tanto tempo achei equivocado.

Nessa nossa conversa, me atenho apenas ao item “acessibilidade”, para que possamos refletir um pouco sobre o que pode vir por aí. ‘Imagina na Copa’ pessoas com dificuldades de mobilidade saindo dos jogos com fome, a fim de procurar algum lugar para jantar ou quem sabe apenas um despretensioso happy hour. Conheço o entorno de estádios como o de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, e Natal, e afirmo que não será nada simples sair por ali para dar uma volta de cadeira de rodas, de muletas, ou com uma bengala.

Alguém pode então pensar: “Mas isso não é um problema. Basta chamar um táxi!”. Alerto para tentarmos refletir sobre o número de carros adaptados que temos disponíveis nas frotas das cidades sedes. É bom lembrar que os usuários locais continuarão a demandar tais serviços que em dias normais já não são tão tranquilos de acessar, repetindo a hashtag ‘Imagina na Copa’.

Também vale conversarmos um pouco sobre a preparação de trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente com o evento. Vou frequentemente a restaurantes e, por conta do trabalho, utilizo quase que semanalmente as hospedagens em hotéis, e com a mesma frequência acabo indo a algum espaço cultural. Certa vez, em um restaurante pequeno no interior de Minas Gerais, o garçom me disse: “suco às doze, talheres às três e guardanapos às seis”. O rapaz, bem preparado, utilizou uma técnica que vislumbra um formato de relógio para descrever o arranjo das comidas no prato, ou a disposição das coisas na mesa. Infelizmente, essa postura é uma exceção. Normalmente, ainda me deparo com situações recorrentes que acabam sendo constrangedoras. É, por exemplo, a velha história do cara que fala com quem está do lado e nunca se dirige à pessoa com deficiência. Também tem aquelas situações em que a gente chega no quarto do hotel e não se sabe sequer onde foi deixado o chinelo ou a toalha de banho.

‘Imagina na Copa’ é quase uma verbalização coletiva de mau agouro, de desespero e até de autossatirizarão. Creio que cabe nos anteciparmos aos problemas, lutarmos contra essa sensação negativa e sermos criativos, para que, com vontade de pentacampeões do mundo, possamos correr atrás para ver o que ainda pode se salvar.

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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