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História que liga o Grande ABC à China comunista

Ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC teve contato com o líder Mao Tsé-Tung

Por Cynthia Tavares
Do Diário do Grande ABC
05/03/2014 | 07:03
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Derly Carvalho tinha 27 anos quando recebeu a missão mais inusitada e inesquecível de sua vida. Deixando mulher e três filhos em Diadema, o militante embarcou em 1966 para a China, onde estudaria as técnicas de Mao Tsé-Tung, líder comunista da revolução chinesa.


O brasileiro foi diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e começou na militância partidária em 1965, quando ingressou no PCB (Partido Comunista Brasileiro) e depois migrou para o PCdoB, responsável pelo convite de intercâmbio nas terras orientais. “Queria conhecer a experiência da revolução feita na China, país que era modelo comunista para todos os jovens”, contou. O PCdoB queria formar líderes para implantar o sistema chinês no Brasil e derrubar os militares do poder.


Chegando ao país oriental, foi encaminhado para a Academia Política da China, onde permaneceu por três meses. “O mundo estava de pernas para o ar naquele momento. Estávamos no meio da Guerra do Vietnã (1955-1975). Estudávamos todo o contexto mundial. O planeta estava dividido em dois blocos: capitalista e socialista. A China pesou nesse contexto. Vi tudo isso de perto”, lembrou.


O encontro com o líder Mao Tsé-Tung veio num dia histórico para qualquer sindicalista: Dia do Trabalho. “A delegação brasileira tinha muito prestígio e fomos num evento em que o Mao estava. Foi inesquecível”, disse.
A relação mais direta com o exército chinês começou pouco antes do evento com o líder comunista. Carvalho foi transferido para a Academia Militar de Nanjing, onde conseguiu se aprofundar nas táticas militares. “Todos os nossos professores eram do alto escalão do exército chinês. Havia intérpretes para português.”


O militante destacou que teve acesso às estratégias militares usadas pelos chineses na primeira e na segunda guerras civis do país (1927-1938 e 1945 e 1949, respectivamente) e na guerra contra o Japão (1938-1945).


Apesar do conhecimento adquirido na sala de aula, Carvalho contou que o maior aprendizado veio por meio de atitude rebelde. “Teve um dia que levantei e passei em frente ao refeitório dos chineses (o restaurante para brasileiros era separado, pois servia comida ocidental). Comecei a conversar com um dos guardas e, quando vi, estava sentado com eles tomando café da manhã. Depois desse dia, peguei amizade e mais contato com os chineses, quando tive a oportunidade de discutir estrutura familiar e religião, coisas que não falávamos em sala de aula”, lembrou o militante, aos risos.


Durante o intercâmbio, Carvalho descobriu coincidências com o movimento brasileiro. A Grande Marcha chinesa feita entre 1934 e 1935 – peregrinação do exército vermelho comunista contra o regime de Kuomintang, afastado do modelo soviético. Soldados entraram para a clandestinidade e buscaram refúgio nas montanhas do Sul da China – foi inspirada na Coluna Prestes.


O movimento em território tupiniquim começou em 1922 e permaneceu vivo até 1927 para demonstrar a insatisfação com o modelo da República Velha. Liderados por Luís Carlos Prestes, os militantes marchavam pelo Brasil denunciando abusos e pobreza extrema. “A estratégia usada foi diferente. Nada pode ser usado de forma mecânica. O Mao (Tsé-Tung) se inspirou, mas a Grande Marcha foi uma saída encontrada por ele naquele momento”, declarou Carvalho.

Volta ao Brasil teve parada na Albânia


Após um ano em território chinês, Carvalho estava feliz por voltar ao Brasil e encontrar sua família – ele não teve contato com os entes queridos nesse período. Mas o militante foi impedido pelo governo brasileiro de voltar. “Estava legalmente e fui encaminhado para a Albânia. Queríamos ter voltado para a China, mas a Guerra do Vietnã estava grave e não era seguro naquele momento. A Albânia estava no campo marxista e rompida com a União Soviética”, disse.


Foram sete meses esperando o aval para retornar a Diadema. A hospedagem, apesar de demorada, foi tranquila. “A maioria das pessoas falava italiano e, como éramos convidados do governo, não tivemos problemas”, acrescentou.
Depois que finalmente chegou ao Brasil, Carvalho migrou para a ala vermelha do PCdoB, dissidentes do partido, e entrou para a clandestinidade no momento em que a ditadura atingiu seu auge. “Em maio de 1969 fui preso. Fiquei dois anos até que veio o sequestro do embaixador”, declarou.


O episódio é do embaixador suíço Giovanni Bucher, em 7 de dezembro de 1970, no Rio de Janeiro. O VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), responsável pela ação, pediu a libertação de 70 presos políticos em troca do diplomata.


Os militares endureceram as negociações. O acordo só foi possível em 16 de janeiro de 1971, quando Bucher foi liberado e os integrantes da VPR, entre eles Carvalho, foram enviados para o Chile, onde ficou até 1980.
 




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