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A diferente história de Juca Quitute

Foi a sábia parteira Jacinta, mulher de voz e olhar triste, que disse: "O neto herdeiro de nome, do finado Jucelino Cabaça, chegou cedo duas vezes"

Carlos Ferrari
24/08/2011 | 00:00
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Foi a sábia parteira Jacinta, mulher de voz e olhar triste, que disse: "O neto herdeiro de nome, do finado Jucelino Cabaça, chegou cedo duas vezes". Primeiro porque a mãe de 14 anos ainda não havia conseguido sequer ninar as bonecas que não existiam de verdade no mundo real, mas que nunca desistiam de aparecer em meio aos sonhos coloridos, repletos de fantasia. Segundo porque, apesar de 18h de parto, nove meses era o tempo que se tinha como certo; sete parecia mau presságio, sem contar que tal nascimento por aqueles dias não estava nas previsões nem da tia Lurdinha, mulher que todos afirmavam tinha poderes únicos para enxergar o futuro.

Houve muitos na época que culparam a velhinha futuróloga pelos ‘defeitos' com que vieram o moleque. Seu Raul da mercearia jurava de pé-junto que isso era praga da ‘velha bruxa', cliente antiga, com dívidas em atraso na caderneta, diante da raiva de não ter acertado a data do parto. ‘Maldade pura', afirmava irritado o Dr. Jordão, único médico da redondeza, desde muito antes de que pensassem em nascer a mãe e as avós do prematuro bebê. Com olhar consternado, o doutor não cansava de se culpar por no dia não ter acompanhado o parto. Dizia ele que a deficiência do menino deve ter sido causada em virtude de falta de oxigênio na hora do nascimento.

Em meio a benzeduras, promessas, banhos de ervas e degustação de todo o tipo de beberragem, o ‘diferente' garoto, filho do quituteiro que por uma noite prometeu o mundo à sua mãe, a bela e jovem Tininha, falava com dificuldades, não tinha os movimentos exatos em todo o seu lado direito, e para ele o que era pior, só restava do pai um sobrenome dado não por reconhecimento, mas por piadas maldosas, daqueles que encaravam como sendo culpa da jovem menina o desaparecimento repentino do homem que encantava a todos com suas cochinhas, croquetes, pamonhas e tantas outras delícias. Para a jovem só ficou o gosto amargo do abandono, mas, mesmo assim, ainda havia pessoas como Dona Rita da farmácia, que não cansava de repetir: "Quem mandou ela ficar grávida?" Ainda com veemência, falava para quem quisesse ouvir: "E o pior, nem fez o menino direito!"

Nesse pequeno causo de algum canto do Brasil, muito pode se encontrar de diferente. Talvez o jeito de se contar. Deve-se ressaltar a inexperiência de quem vos escreve em, a partir do que não aconteceu, tratar do que tanto acontece. Logo também é diferente a estratégia! Geralmente busco em minhas colunas partir do real para tratar dos absurdos provocados pela falta de informação, e muitas vezes pelo preconceito construído graças a estigmas reforçados e valorizados ao longo de décadas. Hoje foi diferente. Fiz o caminho inverso, para pensarmos juntos no dia a dia de milhões de brasileiros, colocados à margem em nome de verdades que não existem, reforçadas sabe-se lá porquê.

Assim, a história de Juca Quitute não é nada diferente, no que tange à exposição de diversos públicos vulneráveis, frente a mitos, crendices e, principalmente, a desinformação. No Brasil, milhares de pré-adolescentes ficam grávidas e são abandonadas. Também por aqui, temos um incontável número de crianças ainda adquirindo deficiências ao nascer por conta de falta de cuidados mínimos ou ações preventivas simples, mas que fazem a diferença.




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