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Capela de Santa Luzia, em Ribeirão, ganha réplica
Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
13/12/2010 | 07:20
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Edmilson Magalhães/DGABC


Rua Tejo, s/nº, bairro Santa Luzia, Ribeirão Pires. Quem chega ao endereço encontra o que restou da antiga Capela de Santa Luzia: uma quina de parede. O resto é entulho.

A igrejinha foi erguida em 1925 pelos canteiros, funcionários da Pedreira Santa Clara que trabalhavam no corte da pedra para a transformação em paralelepípedos. Os trabalhadores viram na protetora da visão a salvação para seus olhos ameaçados pelas lascas. Em sua homenagem, inauguraram a capela em 13 de dezembro, Dia de Santa Luzia.

Hoje, exatamente 85 anos depois, o abandono do local que já foi sagrado deixaria a santa triste. O aposentado Walter Xavier de Araújo, 74 anos, viveu 20 deles numa casinha simples ao lado da capela e acompanhou de perto sua ruína. No início de 2010, as mãos de seu Walter ajudaram a derrubar o que restou da capela quando ela caiu após mais uma enchente. "Todo ano a água chegava por aqui", diz, apontando o próprio peito. "Não tinha como a igrejinha ficar de pé". Os moradores destruíram o que restou da construção porque ela ameaçava cair sobre suas casas.

Segundo o historiador Arnaldo Boaventura, do Instituto do Patrimônio do ABC, a chuva começou a derrubar parte da história de Ribeirão após a chegada do progresso ao bairro Santa Luzia. "Elevaram o nível da rua para fazer o calçamento, o que fez com que a área da igreja acumulasse toda a água da chuva, formando um grande lago", explicou.

A perda é irreparável, mas deve ser minimizada com a construção de uma réplica da capela. O projeto é fruto de parceria entre o Instituto, a Prefeitura e a Aciarp (Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Ribeirão Pires) e está orçado em cerca de R$ 250 mil. O principal obstáculo é angariar o montante. "Pretendemos fazer uma reunião com empresários da cidade em janeiro. O objetivo é sensibilizá-los para a causa e incentivá-los a doar dinheiro ou material de construção para a execução da obra", destacou Boaventura.

Desta vez a chuva não é desculpa para abandono: a réplica será construída em um terreno mais alto, na Rua Giácomo A. Scomparim, próximo ao antigo endereço e ao lado da Escola Municipal Yoshyiko Narita. A criançada vai perder uma quadra de esportes, mas a cidade vai ganhar de novo uma de suas igrejas mais antigas e simbólicas.

PROTETORA
Enquanto a réplica não sai do papel, a santa protetora da visão está sob os cuidados de uma senhora que reclama: "quase não enxergo mais, filha". Odete Périco Correia tem 89 anos e sempre cuidou da imagem, que sua família trouxe de Portugal. O suor do pai de dona Odete, Diniz Correia, escorreu pela fronte enquanto ele ajudava os canteiros nas obras da capela.

Antes da igrejinha cair, a santa deixou o altar e foi parar na cômoda de dona Odete. Enfeitada com fitas e um terço, exibe túnica verde e rosa e coroa dourada. Nas mãos, carrega os olhos de seus fiéis em um pequeno prato. Os pés estão descalços, assim como os de dona Odete, escondidos sob o cobertor que ela usa para se aquecer, embora o sol lá fora esteja a pino.

O filho de dona Odete, Renato Périco, 57, está acostumado a ver a santa na casa da mãe. Ao ser questionado se ela voltará para o altar da réplica da capela, ele ri. "Acho que minha mãe não vai deixar não". E dona Odete completa. "A santa só sai daqui quando eu morrer".

Patrimônios da cidade estão em ruínas

Ribeirão Pires é uma cidade em ruínas, ao menos no que diz respeito à história. Desde 2005 não há Conselho Municipal do Patrimônio no município. A atual administração revogou o decreto que concedia o tombamento de sete imóveis, entre eles a Capela Santa Cruz, as igrejas de Santo Antônio, Matriz, São José, Anglicana, o Prédio Vila Souza e o casarão da família Richers. Os únicos bens preservados na cidade foram tombados pelo governo do Estado: a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a mais antiga do Grande ABC, e a Estação Ferroviária.

Outros lugares responsáveis por guardar a memória dos moradores estão se deteriorando. Exemplo disso é a antiga Fábrica de Sal, no Centro. O prédio de tijolo aparente e a chaminé remontam ao passado, mas estão corroídos pelo cloreto de sódio refinado ali.

Parte do acervo do Museu Municipal ainda está no prédio, lacrado pela Prefeitura há cerca de dois anos. Pela janela de vidro sujo é possível enxergar caixas com documentos, um piano, um banner da Secretaria de Educação e uma réplica em miniatura do prédio, entre outros objetos, molhados por água da chuva que infiltrou pelo telhado.

A funcionária pública Lídia Ambrosio dos Santos, 50, lembra-se da época em que a filha estudou piano e cantou no coral da Escola de Música, que ocupou a antiga Fábrica de Sal. "A gente podia vir aqui, sentar nos bancos do lado de fora e ouvir a melodia a qualquer hora".

A Vila Operária da Pedreira, a maior de Ribeirão Pires, é outro patrimônio perdido. Das 20 casas construídas para os funcionários, restam apenas quatro. As demais foram demolidas pelos proprietários da pedreira, que tem interesses comerciais no terreno próximo ao traçado do Trecho Leste do Rodoanel. As casas que resistem foram alteradas em sua arquitetura original, datada do início do século 20.

A dona de casa Margarete Maria de Jesus, 50, é uma das que permanecem no local. "Meus filhos nasceram e se criaram aqui, não quero sair", diz. O imóvel tem rachaduras e o telhado está deteriorado pela ação do tempo.

O antigo Casarão dos Mansuetto, importante família do município, foi construído no início da década de 1950, e começou a ser destruído neste ano. A Prefeitura embargou a demolição tarde demais. Agora resta pouco do antigo prédio histórico que abrigou uma pizzaria nos últimos anos.

Um dos proprietários se comprometeu a ceder ao patrimônio público as peças de interesse histórico. O brasão da família, esculpido em mármore italiano, é um dos artefatos que serão preservados.

Outro prédio em risco fica próximo à estação de trem e pertenceu à família Eid. Na década de 1930, abrigou o maior armazém de secos e molhados de Ribeirão Pires. Atualmente deverá ser demolido para dar lugar a uma passarela da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).

Curso para formar restauradores aguarda recursos federais

A formação de mão de obra especializada em restauração em Ribeirão Pires poderia ajudar a criar uma cultura de preservação de patrimônios históricos. Essa é a opinião de Arnaldo Boaventura, do Instituto do Patrimônio do ABC. O município aguarda verba de R$ 48 mil para instalar o segundo módulo do Curso de Formação de Jovens Restauradores.

A iniciativa do instituto prevê investimento total de R$ 180 mil para formar turmas de restauradores nas sete cidades. Em 2009, São Bernardo inaugurou a iniciativa, formando 50 jovens nas artes de pintura em afresco, marcenaria, vitrais e gesso, além de aulas de violão e educação patrimonial.

Em Ribeirão, a previsão é formar mais 50 restauradores, com idades entre 16 e 24 anos. O curso tem duração de 200 horas e emite certificado. "Com jovens especializados e conscientes, podemos ajudar a reerguer o patrimônio histórico do município", garante Boaventura. O Ministério da Cultura, porém, ainda não tem data para liberação da verba.

Museu virtual e interativo é promessa para 2011

Após cinco anos da extinção do Conselho do Patrimônio Histórico de Ribeirão Pires, a Prefeitura iniciou neste mês a instalação do Departamento de Patrimônio Histórico, que integra a Secretaria de Esportes, Turismo, Cultura, Juventude e Lazer. Uma das primeiras ações será a de digitalizar as obras de valor histórico e criar um museu virtual a partir de março do ano que vem.

À princípio, o acervo estará disponível apenas no computador, em três pontos: o Teatro Municipal Euclides Menato, a sede da Secretaria de Esportes e o Paço Municipal. O custo do projeto é de R$ 42 mil.

Segundo o secretário Luis Gustavo Pinheiro Volpi, a prioridade é retirar parte do acervo guardado na antiga Fábrica de Sal, ameaçado pela contaminação das paredes. "Sabemos que aquele material está se deteriorando e precisará ser restaurado."

O departamento se ocupará ainda de restaurar os patrimônios históricos que já estão tombados pelo governo do Estado e elaborar uma lista dos bens que deverão entrar para o rol.

O orçamento do órgão, porém, ainda é incerto. "Vamos discutir com o prefeito Clóvis Volpi (PV), mas acredito que será uma das prioridades, pois queremos transformar os patrimônios em atrações e atrair mais visitantes."




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