De acordo com a resoluçao 2.623, de 29 de julho de 1999, que alterou a resoluçao 1.980, de 30 de abril de 1993, os bancos devem destinar 60% do dinheiro da poupança para financiamentos habitacionais. Esse limite já foi de 70% até meados de 1999.
Para se ter idéia, as aplicaçoes extras que entram nas contas dos 60% chegam a representar o mesmo volume dos financiamentos imobiliários em andamento concedidos pelas instituiçoes privadas: somam R$ 15,4 bilhoes, conforme relatório do Banco Central referente a outubro de 1999. Assim, na prática, os bancos privados aplicam apenas 30% dos recursos da caderneta nesses empréstimos. No total, o setor tem aplicados R$ 30,4 bilhoes de recursos da poupança na área imobiliária, conforme a lógica da resoluçao do governo.
Além dos financiamentos de imóveis (que incluem aqueles para fins comerciais com taxas de juros acima de 12% ao ano), os bancos podem contabilizar para atingir o limite de 60% várias operaçoes: créditos que eles têm a receber do Fundo de Compensaçoes de Variaçoes Salariais (FCVS), de responsabilidade do Tesouro Nacional, letras hipotecárias emitidas em cima de empréstimos concedidos e imóveis recebidos em liquidaçao de contratos.
Sao contabilizados até antigos créditos de fundos extintos, como o Fundo de Apoio à Produçao de Habitaçoes Populares de Baixa Renda (Fabre) e Fundo de Estabilizaçao (Festa), geridos pelo extinto Banco Nacional de Habitaçao (BNH).
O Banco Central alega que sao aplicaçoes legais que correspondem a financiamentos habitacionais. A maior parte dessas operaçoes periféricas refere-se aos créditos que os bancos têm com o FCVS. É aquele fundo criado e bancado com recursos do Tesouro Nacional que cobre o resíduo dos contratos da casa própria no lugar do mutuário.
O setor privado cobre um terço do limite de 60% exigido pela resoluçao com esses créditos. Eles somam R$ 11,2 bilhoes na carteira de aplicaçoes imobiliárias das instituiçoes, de R$ 30,4 bilhoes. O consultor técnico da Associaçao Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), José Pereira Gonçalves, justifica: 'Sao financiamentos concedidos que nao foram pagos``. É a mesma explicaçao do Banco Central, embora o FCVS nao seja formado com recursos da caderneta de poupança.
Troca de chumbo - Os bancos chegam a fazer acordos entre si para se enquadrar na legislaçao. É o que acontece na negociaçao de letras e cédulas hipotecárias adquiridas. Essa operaçao é muito comum entre um banco que está acima do limite - ele emite a letra em cima de um empréstimo da sua carteira - e outro que está abaixo, admite o consultor técnico Abecip.
'Para a letra ter sido emitida, houve um financiamento concedido``, justifica Gonçalves. Segundo ele, essa operaçao de empréstimo que originou a letra é deduzida do limite do banco emissor. E engorda o de quem compra. Isso tudo porque o setor nao quer aplicar mais que o limite de 60%.
Conforme dados de outubro de 1999, as letras hipotecárias representavam R$ 3,1 bilhoes, 6% do total que os bancos deveriam aplicar em operaçoes imobiliárias. Só as instituiçoes privadas utilizam R$ 2,8 bilhoes.
Observando todo o sistema, verifica-se que os bancos aplicam, na verdade, 88% dos recursos da caderneta de poupança em operaçoes imobiliárias, incluindo as operaçoes periféricas.
Só que essa estatística é engordada pela Caixa Econômica Federal, que está bem acima do limite. Ela possui aplicaçoes de R$ 38 bilhoes (incluindo as compensaçoes extras), maior que seus depósitos de poupança (R$ 28 bilhoes), por ser o banco de habitaçao do governo federal. Só em financiamentos da casa própria em andamento, sao R$ 28 bilhoes. Os demais bancos estaduais e federais aplicam 82% dos recursos dos poupadores na área imobiliária.
Já as instituiçoes privadas, no entanto, andam próximas da linha dos 60% - mais precisamente 62%, conforme dados de outubro e novembro de 1999, últimos divulgados pelo Banco Central. Essa margem de 2% é só de segurança para evitar desenquadramento repentino em virtude, por exemplo, de uma elevaçao da captaçao dos recursos de poupança. 'Os bancos privados aplicam sempre o valor mínimo``, atesta um técnico do Banco Central.
'Os bancos cumprem o limite de 60%. O problema é que é possível contar diversos tipos de operaçoes para isso, que nao sao necessariamente novos financiamentos nem lastreados com recursos da poupança``, diz um técnico da Caixa Econômica Federal.
Há razao para isso. O sistema financeiro paga apenas TR mais 6% de juros ao ano para os poupadores da caderneta. No mercado, os bancos podem aplicar esse dinheiro e ganhar muito mais. Eles consideram financiamento habitacional operaçao de alto risco para lucro baixo: os juros máximos sao de 12% ao ano no Sistema Financeiro da Habitaçao.
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