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São Caetano pode ter serviço funerário municipalizado
Juliana de Sordi Gattone
Do Diário do Grande ABC
23/11/2004 | 10:00
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A pouco mais de um mês do fim do mandato, o prefeito de São Caetano, Luiz Tortorello (PTB), está prestes a criar grande polêmica na cidade. Desta vez, em setor considerado tradicional, o das funerárias. Tortorello enviou à Câmara, semana passada - em regime de urgência -, projeto que municipaliza o serviço funerário por meio da criação de uma autarquia, nomeada Secom (Serviço Comunitário Municipal).

Com receita própria, o órgão terá de realizar licitações para compra de materiais e carros funerários. Enquanto isso não acontece, a autarquia poderá ficar nas mãos de uma empresa via concessão provisória. Neste ponto, alguns proprietários de funerárias - que não quiseram se identificar - acusam a Prefeitura de ter a intenção de beneficiar alguém. O problema é que a iniciativa ameaça o fornecimento particular dos serviços. Além disso, a longo prazo, o objetivo é passar todos os serviços mortuários - como certificados de óbito e serviços do IML (Instituto Médico-Legal) para essa autarquia.

Em 2002, a cidade registrou 1.349 obituários, ou cerca de 112 mortos por mês. Fazendo distribuição hipotética, seriam oito óbitos por mês para cada uma das 14 funerárias instaladas na cidade. O preço mínimo cobrado pelos serviços particulares é de R$ 500, o que renderia anualmente à autarquia, em média, R$ 674,5 mil. Hoje, cinco cidades do Grande ABC contam com o serviço municipal: Santo André, São Bernardo, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires.

O projeto, segundo a justificativa do prefeito Luiz Tortorello (PTB), foi desenvolvido para atender reclamações dos moradores de São Caetano e para reunir todas as atividades relacionadas à questão funerária, "os quais - segundo o prefeito - as empresas privadas não vêm executando a contento, mormente face ao elevado preço por elas cobrado das famílias". A autarquia terá personalidade jurídica e patrimônio próprio estimado, em princípio, em R$ 250 mil - crédito especial aberto na Diretoria de Economia e Finanças.

O Secom será responsável pela coordenação e administração dos velórios e cemitérios públicos, pela fabricação ou aquisição e fornecimento das urnas mortuárias para os moradores de São Caetano, pela remoção dos mortos - exceto em casos em que a polícia seja responsável -, transporte de coroas, ornamentação das câmaras mortuárias, instalação e manutenção de velórios públicos - exceto quando pertencerem a casas de saúde e hospitais -, transporte fúnebre por estrada de rodagem de São Caetano para outra localidade e prestação de serviços complementares, como providências administrativas.

O assessor jurídico da Prefeitura, Antônio Gusman Filho, diz que a pretensão do Secom não é obter lucro. "Pretendemos seguir os preços praticados pela Prefeitura de São Paulo." No entanto, o preço adotado pela capital, que possui autarquia municipalizada, excede os valores impostos pelas funerárias particulares de São Caetano.

Enquanto duas das funerárias mais tradicionais de São Caetano cobram o valor mínimo de R$ 500 pela urna funerária, transporte, flores, coroa e sepultamento, em duas prefeituras - Santo André e São Paulo - os valores ultrapassam a faixa de R$ 1,2 mil. Outro fator agrava a situação dos serviços municipais: o faturamento. Nas funerárias particulares, os preços são parcelados em até dez vezes, enquanto nas prefeituras o valor tem de ser faturado à vista ou em até 20 dias.

Gusman argumenta que a autarquia cobrará preço de custo em todos os serviços. "Vamos fazer o seguinte: compramos por 10, vendemos por 10." O assessor afirma que a intenção não é acabar com as empresas, mas sim regularizar os serviços. "Ou elas (funerárias) amoldam-se à realidade ou fica difícil. As que já estão instaladas na cidade, continuam trabalhando. Podem até oferecer serviços a mais."

Gusman critica a atual política funerária de São Caetano e afirma que não havia serviço de plantão. "Se a pessoa está para morrer, tem de segurar. Há uma política do 'não paga, não enterra'. Para não ficar louco, só criando um órgão que cuide do setor", diz.

As 14 funerárias que existem na cidade se revezam em três esquemas de sete dias de plantão: um da delegacia, um do Hospital Municipal Maria Braido e um do Hospital Beneficência Portuguesa. Segundo o ex-vereador Sebastião Sepulvida, proprietário da Funerária e Floricultura Sepulvida, o plantão na delegacia exige gratuidade. "Na semana passada, quando estava no plantão, foram quatro urnas, ou seja, quatro funerais sem cobrar nada."

Há 45 anos na cidade, Sebastião acredita que a iniciativa da Prefeitura não afetará seu comércio. "Tenho tradição, atendo bem, tenho ótimas urnas a bons preços, que variam de R$ 500 até R$ 5 mil. Acho que a Prefeitura tem mais com que se preocupar", diz. Ele argumenta que a ação não é benefício para a população. "Mas quem sou eu para ser contra a vontade do prefeito. Ele vai desempregar muita gente. Fazer o quê?", questiona Sebastião.

O assessor da Prefeitura, Antônio Gusman Filho, revela que a administração fará licitação para comprar quatro carros funerários e para escolher o fornecedor de caixões e urnas. "Mas enquanto não for instalado o processo, posso fazer licitação para fazer concessão. A lei vai ser implantada e quero iniciar os serviços já em 2005, por isso faço uma concessão provisória", explica Gusman.

Para Celso Sepulvida (PSB), proprietário do GS (Grupo Social Planos e Convênios) e filho de Sebastião, a medida não afetará a empresa, que fornece plano assistencial funerário pelo qual os conveniados pagam R$ 9 por mês por todos os serviços. "Acredito que com essa medida apenas três empresas ficarão em São Caetano, porque têm esse serviço. Seria a Ossel, a Abcel e a GS", sentencia. Para Celso, as demais não terão outra alternativa a não ser fechar.

Embora defenda "o que for melhor para a população", Celso afirma que se a Prefeitura fizer o preço das particulares, vai falir a autarquia. "Só acho que a Prefeitura está na contramão: enquanto a tendência é privatizar, ela quer estatizar." O proprietário diz também que a população de São Caetano tem a experiência do que acontece com os municípios vizinhos, que adotaram a municipalização dos serviços funerários. "Os moradores daqui são conservadores, exigem bons serviços."

Walter Nickel, proprietário das funerárias Grechi e Nickel, diz que se o preço for baseado no serviço público da capital, o mais barato é duas vezes mais caro que o particular em São Caetano. "Além disso, a nossa escala também permite serviços gratuitos para delegacia. Só semana passada, fiz quatro."

Nickel sugere que o prefeito chame os representantes do setor para uma conversa sobre o projeto. "A população nunca é ouvida. Somente minha empresa dá emprego para dez pessoas, que vão perder o salário por decisão administrativa do Tortorello. Autarquia gera benefícios só para alguns", diz. Caso o projeto seja aprovado, ele diz que irá esgotar as possibilidades jurídicas.

Normas - Para reger a autarquia serão criados cinco cargos, sendo um de diretor-superintendente e quatro de supervisores administrativos. A estrutura será formada pelo conselho administrativo (diretor-superintendente, dois representantes da Câmara e dois da Prefeitura), superintendência (diretor-superintendente nomeado em comissão pelo prefeito) e serviços administrativos (criados e estruturados por decreto). Os funcionários, com exceção dos mencionados, serão contratados a partir de concurso público. Enquanto não for realizado, os funcionários serão transferidos da Prefeitura por até dois anos.




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