Cultura & Lazer Titulo
Orgulho e preconceito
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
18/04/2011 | 07:15
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Em 1933, a história de Rudolf Brazda já parecia resolvida. Aos 20 anos, o jovem homossexual tcheco, ao que tudo indicava, teria uma vida feliz. Ao lado do companheiro Werner, morando de aluguel na casa da senhora Mahrenholz - uma religiosa testemunha de Jeová afetuosa e condescendente com a relação dos dois locatários -, o rapaz tinha até a benção da família no amor que resolveu assumir.

Então chegou o dia 30 de junho de 1934, ocasião em que o episódio conhecido como A Noite das Facas Longas aconteceu. O partido nazista, que havia chegado ao poder em 1933, sofreu revés comandado por Adolf Hitler. Parte de seus integrantes foi morta.

A principal baixa foi a do chefe da SA (organização paramilitar do partido) Ernst Röhm. O líder nazista resolveu matá-lo por divergências políticas, mas alegou que a causa do assassinato se dava pelo fato de o militar ser homossexual, cujas fraquezas e vícios poderiam derrubar o regime e colocar o povo contra o nazismo.

A partir daí, como conta o livro "Triângulo Rosa" (Mescla Editorial, 184 pág., R$ 49), a liberdade de todos os gays estava ameaçada no império nazista. Em depoimento ao autor Jean-Luc Schwab, Brazda, o último sobrevivente gay do campo de concentração de Buchenwald, relata a sua história. O autor, em minuciosa pesquisa, resgata dados relativos aos sofrimentos aplicados aos homossexuais no período.

Com a morte de Röhm, veio o endurecimento do parágrafo 175 do código penal do Império Alemão, que considerava a "luxúria contra o que é natural" crime.

Perseguidos, muitos homossexuais foram presos. Brazda sofreu sua primeira reclusão em 1937, sendo expulso em seguida do território alemão. Werner, que então prestava serviço militar, nunca mais reencontrou o amante.

Depois, com o avanço das tropas nazistas, Brazda foi pego novamente na Tchecoslováquia, em 1941, e logo transferido para o campo de concentração, onde tornou-se um triângulo-rosa (a figura geométrica era costurada ao uniforme do preso para identificá-lo de acordo com seu segmento social. Os presos políticos utilizavam um triângulo de cor vermelha, os gays, rosa).

Contando episódios de antes e depois da Segunda Guerra Mundial, autor e personagem compõem um painel de como foi a vida dos homossexuais no campo de concentração, tocando na delicada questão da sexualidade nas prisões.

PELOS CAMPOS
Entre os casos relatados, há o de que era muito comum que gays fossem utilizados como cobaias humanas. "As ‘experiências médicas' se multiplicam, assim como os desaparecimentos repentinos dos triângulos-rosa", descreve Schwab em determinado trecho.

O campo de Buchenwald, onde Brazda esteve preso, abrigou por volta de 250 mil pessoas. Pelo menos 51 mil morreram lá. Em território onde funciona uma pedreira, o serviço para suprir a máquina nazista era todo realizado pelos encarcerados, que eram amontoados em pequenos barracões, com direito a duas refeições diárias e poucas roupas, padecendo de frio.

Por um golpe de sorte - um dos comandantes do campo interessou-se por Brazda, mas não aconteceu nada entre os dois -, ele serviu como enfermeiro no local, posição um pouco mais privilegiada, que lhe permitia ter alguma regalia e lhe dava mais chances de sobreviver, pois foram muitos os que morreram pelo excesso de trabalho na pedreira.

"Acabamos nos habituando à ideia de poder morrer a qualquer instante. Não tínhamos medo de morrer. Ver gente morrendo nos deixava quase indiferentes, pois isso era constante no cotidiano. Hoje, choro toda vez que me lembro desses instantes terríveis, mas na época eu endureci para sobreviver...como os outros", conta ele.

LIBERDADE
Brazda, em liberdade, seguiu para Mulhouse, na França. Em 1950, conheceu Édouard, o Edi. Os dois passaram a morar juntos em 1959. Foram companheiros até 2003, ano em que Edi morreu.

Rudolf Brazda foi descoberto em 2008, quando inauguraram um monumento em homenagem aos gays vítimas do nazismo. Até então, todos pensavam que nenhum dos quase dez mil triângulos-rosa registrados nos campos de concentração estivesse vivo.

Trechos
"Fico revoltado quando recordo meus anos de cativeiro impostos por esses crápulas nazistas! E tudo isso por quê? Por causa dos meus atos considerados ‘antinaturais'. O que eles sabem da natureza? E da minha natureza, aquela que eu não escolhi?... Confesso ter nutrido um ódio especial pelo diretor da prisão de Eger, esse calhorda que nos fez passar por todo tipo de humilhação. Após a guerra, fiquei indeciso de passar ou não por sua casa, em Eibenstock, de onde ele era, para lhe quebrar a cara. Mas, por fim, pensei que outros sem dúvida tinham se ocupado dele durante o período de desnazificação, e eu deixei pra lá..."

"Qualquer novato não entra no campo sem primeiro passar pela desinfecção...Rudolf está nu como veio ao mundo para ter os pelos raspados da cabeça aos pés...Em seguida vem a desinfecção propriamente dita, em uma enome cuba cheia de uma solução de cresol. Só se pede que eles avancem em fila e se afundem no líquido um após o outro..."

"Quando Rudolf toma conhecimento de que os presos homossexuais são esperados na praça de chamada para seguir com uma coluna de marcha com destino a Berghof, ele não pestaneja: corre para se esconder... Enfurnado em seu esconderijo, Rudolf escuta, ao longe, tiros de artilharia que se aproximam nesse 11 de abril...São os últimos espamos defensivos dos poucos soldados que permaneceram no campo tentando conter o avanço americano"




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