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O circo chegou
Por Natane Tamasauskas
Especial para o Diário
03/12/2006 | 16:39
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Homens e mulheres, jovens e velhos, e crianças, abaixados, têm os rostos suados. Se fecharem os olhos, talvez enxerguem uma grande lona colorida. Sob os pés, terra batida. Todos estão unidos na tarefa de armar lona, picadeiro e platéia e proporcionar alegria ao respeitável público. Ao fundo, notas alegres de um saxofone anunciam a chegada do circo. Chegou mesmo?

Os olhos se abrem. Foi devaneio. Só a música, real, ainda alegra. Esta pode ser a fantasia de qualquer vizinho de Helder Pinto, morador do Parque Novo Oratório, em Santo André. Ele consome boa parte de seu tempo com ensaios no trapézio de 8 metros de altura que está instalado no quintal de casa. Também pedala moniciclos e aprimora suas habilidades como saxofonista.

Helder interpreta o palhaço Esparadrapo. “Uma vez, o palhaço Picolino me contou que durante vários dias acordou cansado, com braços e pernas doendo. Disse que sonhava com a tarefa de puxar a lona do circo em que vivia, quando jovem, durante toda a noite”, afirma. Roger Avanzi, o Picolino, nasceu e viveu 52 anos sob a lona do Nerino. Hoje, aos 86, é o mestre de Helder-Esparadrapo. <EM>

A rigor, Helder é um multiartista. Mora em Santo André desde que nasceu, há 37 anos. A fama surgiu quando ele ainda era bem pequeno, mas então por conta de suas travessuras. “Ele era muito arteiro quando criança. Agora é artista”, diz Oswaldo Procópio, vizinho que viu o rapaz crescer – e aparecer.

A opção pela existência palhaça, no sentido poético, ocorreu quando Helder fez 22 anos: “Tem gente que decide ser engenheiro, médico... Eu virei para minha mãe e disse que minha profissão seria a de palhaço.” Ela protestou, mas Esparadrapo nasceu. Desde então, cada segundo do tempo de Helder tem a arte como fim. “O palhaço é o artista completo. Sempre achei que deveria entender um pouco de tudo.”

Já a picada do “mosquito do circo” (palavras de Helder) aconteceu durante uma oficina de artes circenses ministrada no Grande ABC em meados dos anos 1990. Foi quando ingressou no Circo Escola Trapézio, fundado em Santo André por Eliana Frere.

Por falta de apoio, o Trapézio fechou em 1997. Dele, Helder-Esparadrapo herdou a alegria, manteve a lembrança das lonas coloridas e fortaleceu a vontade de reeditar na região a experiência do picadeiro. Ano passado, ele, Eliana e outros artistas fundaram a Autojabô’s – Cia. das Belas Artes.

Pedalando – Além do trapézio e do saxofone, o artista também é apaixonado por bicicletas. Passa horas pedalando seus monociclos na rua em que mora: “Nós resgatamos um número tradicional do circo que estava morrendo aos poucos.”

A Bicicleta Maluca, espetáculo dirigido por Eliana Frere, é um dos frutos da dedicação de Helder. Acaba de ser aprovado no PAC 15 (Programa de Apoio Cultural do Estado de São Paulo) em modalidade específica para artistas circenses. Na prática, isso significa dinheiro para a montagem (seis meses de prazo) e o compromisso de realizar três sessões gratuitas. “Depois pretendemos vender o número e realizar apresentações ao lado de outras companhias”, explica.

A idéia d’A Bicicleta Maluca é antiga. Não tanto quanto a magrelinha que ele usa e que já tem mais de meio século de serviços prestados. Quando necessário, ela pode ser dividida em três partes. “Depois que Picolino aceitou ser meu mestre, ganhei de presente sua bicicleta para que eu pudesse ensaiar”, afirma o artista.

Como Esparadrapo, Helder pretende trazer de volta brincadeiras singelas, mas clássicas. Caso da flor que esguicha água na cara de outros palhaços. Simples, mas sempre capaz de arrancar gargalhadas das crianças. “Quanto mais estudo, mais quero me aproximar dos palhaços tradicionais brasileiros, da raiz de tudo isso”, diz. Sorte dos vizinhos de Helder-Esparadrapo. Às vezes, a alegria mora ao lado.

Supervisão de Ricardo Ditchun



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