Interação Titulo Interação
Acessibilidade para além da retórica
Carlos Ferrari
15/03/2016 | 07:00
Compartilhar notícia


Um bom termômetro para medir o quanto avançamos rumo a consolidação de um País mais justo para com os seus é a escuta de seu povo em relação a determinados temas historicamente negligenciados. Tragamos para essa conversa o tema acessibilidade e, com certeza, em qualquer que seja a pesquisa de opinião relacionada a essa questão, se chegará a índices altíssimos de valorização da pauta enquanto elemento fundamental para melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Isto posto, não precisamos de grandes análises para perceber o enorme caminho a ser percorrido entre o discurso que ouvimos e a prática que necessitamos. Se existe alguma dúvida em relação a essa afirmação, faça um pequeno exercício de leitura de seu próprio cotidiano, buscando indícios do quanto ele pode ser acessível.

Comecemos por sua casa. Será que fica tranquilo para receber um amigo cadeirante ou mesmo um familiar próximo, vítima de um acidente ou alguma espécie de limitação física momentânea? Parabéns caso a resposta tenha sido sim, mas no caso de um não, tentemos a partir de um outro espaço.

Como seria no seu trabalho? Quais as ações que você é responsável ao longo do dia que podem facilitar ou complicar a vida de quem tem algum tipo de limitação física, intelectual ou sensorial?

Depois dessas tentativas frustradas ou bem-sucedidas em busca de sinais de acessibilidades no seu dia a dia, podemos falar um pouco de alguns elementos que podem revolucionar não apenas o seu entorno, mas o modo de vida da nossa sociedade como um todo.

Primeiramente é necessário dizer que acessibilidade, para ser real, precisa fazer parte da cultura e do orçamento da vida das pessoas. Todo mundo gasta com uma textura diferente para valorizar a casa, um tapete novo, mas, mesmo achando bonito e justo, ninguém, ou algo próximo disso, quer botar a mão no bolso para fazer de seu lar espaço mais acessível. Pior ainda é a constatação de que as pessoas deixam de lado essa prioridade dentro e fora de casa, fazendo de suas calçadas e, por consequência, da cidade como um todo espaço inóspito para se caminhar e conviver.

Logo temos dois caminhos: ou as pessoas passam a reconhecer que são partes diretas do problema e precisam fazer parte da solução ou o estado assume a responsabilidade efetiva de resolver, gerando, para tanto, mecanismos para financiamento das eventuais soluções.

Para termos mais que discursos, não se pode ainda, nos dias de hoje, aceitar retóricas simpáticas do tipo: “Eu faço o possível.” Para tais afirmações a única resposta deve ser: “O possível só é verdadeiramente possível se for possível, de fato, para todos.”

Outra fala terrível é: “Eu achava que poderia ser assim.” Ninguém fica achando na hora de fazer instalações elétricas, hidráulicas ou mesmo de recursos de TI. Acessibilidade exige profissionalismo e qualquer que seja a atividade comercial que alguém venha a desempenhar, merece investimentos que contemplem essa demanda.

Existem na internet milhares de textos, pequenas dicas, ilustrações bem-humoradas e tantas outras coisas que podem fazer com que sua postura de cidadão favoreça a inclusão e a acessibilidade sem qualquer custo. Obviamente, como já disse, esse assunto também demanda custos, e a sociedade como um todo precisa compreender que, em nome da boa vontade de quem ainda não conseguiu se adequar, não cabe um pedido de compreensão e paciência eternas até que se dê um jeito.

Acessibilidade não é um favor, muito menos um ‘algo mais’ que podemos encontrar em empresas bem-intencionadas. Trata-se de um direito e, sendo assim, pessoas com e sem deficiência devem ser vigilantes e atuantes para que tal direito seja efetivado.

Fica o convite para que você possa planejar e tornar públicas ações que façam da acessibilidade no Brasil uma possibilidade de cidadania tão bela quanto as que hoje podemos acompanhar em muitos discursos.

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde).




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;