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Copom decide Selic sob desconfiança do mercado
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19/10/2011 | 07:00
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A decisão sobre a taxa básica de juros já não é mais o único holofote que recai sobre a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que começou ontem e decide hoje o novo patamar do juro básico, a taxa Selic: a suspeita de vazamento de informações privilegiadas da reunião dos dias 30 e 31 de agosto, quando os analistas foram pegos de surpresa com um corte de 0,5 ponto porcentual na taxa Selic, espalhou-se pelo mercado financeiro e deflagrou uma investigação por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre movimentações atípicas no mercado de juros.

A CVM não divulgou detalhes da investigação. Enquanto analistas ouvidos pela Agência Estado dizem considerar bastante improvável um vazamento da decisão do Copom pelo BC, vem causando estranhamento já há algum tempo no mercado financeiro, por exemplo, a movimentação por parte dos investidores pessoa física nos contratos futuros negociados na BM&FBovespa, especialmente porque esses investidores, teoricamente menos sofisticados em relação a outros grupos, como fundos mútuos, corretoras e investidores estrangeiros, têm acertado o desfecho do Copom até mesmo em decisões mais controversas.

Um reflexo dessa desconfiança é que circula nas mesas de operações de bancos e corretoras uma planilha que mostra, ao longo dos últimos anos, a migração atípica de investidores pessoa física nos dias que antecedem a reunião do Copom, ora para posições vendidas líquidas em taxas de juro futuro, ou seja, quando as apostas nos contratos de DI na BM&F para um corte da taxa de juros superam as de alta ou de manutenção da taxa Selic, ora para posições compradas líquidas, se o movimento de aposta é na direção oposta. O estranhamento é que esses investidores menos sofisticados no mercado futuro de juros acertavam a direção da aposta da decisão do Copom muito mais do que os investidores institucionais, que teoricamente seriam os profissionais do risco.

A reunião de agosto do Copom é emblemática desse movimento. A posição líquida vendida, ou seja, de aposta de corte de juros, dos investidores pessoa física era, na média, de apenas 1.632 contratos nos 21 dias úteis até o dia 29. Já no dia 30, essa posição saltou para 5.315 contratos. No dia 31, foram 5.445 contratos, embora o valor financeiro total dessa posição seja pouco, em se tratando do mercado financeiro.

Contudo, investidores institucionais brasileiros e estrangeiros, que têm à disposição uma estrutura de pesquisa econômica para tentar acertar o desfecho do Copom, apostavam cada vez menos no corte da taxa Selic, pois reduziram sua posição vendida líquida de 3.131.816 contratos em média no mês até o dia 29 para 2.815.310 contratos negociados no dia 31.

"A decisão do BC de cortar a Selic em 50 pontos base foi uma surpresa e tanto e gerou um ressentimento enorme junto aos economistas profissionais", disse à Agência Estado o economista-chefe da Gradual Investimentos, Andre Perfeito. Segundo ele, alguns economistas chegam a dizer que a diretoria atual do BC rasgou o sistema de metas de inflação, visão que Perfeito não endossa. "Num clima como este acaba se aventando suspeitas sobre as operações do BC, que são fruto deste mal-estar gerado. Qualquer atividade com vistas a ganhar dinheiro gera estes sentimentos fortes e com uma decisão tão surpreendente como aquela é fácil surgirem suspeitas."

Perfeito admite, contudo, que "infelizmente" a reunião anterior do Copom reúne elementos que podem gerar dúvidas quanto à existência de algum tipo de informação privilegiada. Mas essa suspeita, ressaltou, é resultado do ressentimento do mercado pela surpresa de o BC ter passado, imediatamente, de um ciclo de alta de juros para um de redução, sem a pausa esperada. "Se fôssemos observar com lupa o Banco Central brasileiro, e bem provavelmente os da maioria dos países, seria fácil encontrar suspeitas. Afinal, decisões de política monetária são técnicas, mas também políticas, ou seja: existe um grande grau de arbitrariedade da autoridade monetária inerente deste tipo de ação", disse Perfeito.

Prejuízo

Nenhum dos economistas das 72 instituições financeiras ouvidas pelo AE Projeções, na pesquisa sobre a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) na sua reunião de 31 de agosto, foi capaz de prever um corte de juros, muito menos uma redução de 0,50 ponto porcentual da taxa Selic, para 12%. A reação do mercado futuro no dia 1º de setembro, ou seja, o "day after" do Copom, corrobora a surpresa: a taxa do contrato futuro de outubro de 2011 chegou a ceder para 11,89% no horário do almoço, de 12,29% no final do dia anterior. O DI janeiro de 2012 desabava para 11,43%, de 11,94%. Ou seja, quem havia se posicionado no dia anterior para um corte de surpresa de 0,50 ponto porcentual na taxa Selic ganhou muito dinheiro; perderam dinheiro aqueles que apostaram na manutenção dos juros, como a maioria dos analistas.

Na opinião do economista e ex-diretor do BC Luís Eduardo de Assis, falar em vazamento de uma decisão que depende de um colegiado, que vota, depois de uma reunião de dois dias, requer imaginação criativa e predisposição para acreditar em teorias conspiratórias. "O que pode, sim, ter ocorrido é que o encaminhamento pelo corte tenha sido solicitado pelo Ministério da Fazenda ou, mais provavelmente, pelo Planalto, o que não tem nada de fundamentalmente errado, já que o Bacen não tem independência nem autonomia nas suas decisões", comentou Assis. "Alguém pode ter comentado esta 'encomenda' e isto pode ter sido o bastante para aumentar as apostas no corte de juros. Mas isto não é, exatamente, um vazamento."

De fato, houve uma escalada das declarações da presidente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nos dias que antecederam a decisão do Copom, de que já havia espaço para corte na taxa Selic. Em viagem ao Recife, na terça-feira, dia 30, primeiro dia da reunião do Copom, a presidente Dilma fez a seguinte declaração: "A partir deste momento, nós começamos a ver a possibilidade de redução dos juros no Brasil." Na véspera, ao anunciar em entrevista coletiva o aumento da meta de superávit primário do governo central em quase R$ 10 bilhões, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que "na medida em que o governo deixa de aumentar o gasto público, abre espaço para queda de juros, quando o Banco Central entende que é possível".

Esta não é a primeira vez que a lisura do processo de decisão do Copom é posta em questão. Em 1999, em meio à desvalorização do real após o fim do regime de bandas cambiais para oscilação da moeda brasileira frente ao dólar, Francisco Lopes, ex-presidente e ex-diretor de Política Monetária do BC e dono da consultoria Macrométrica, foi investigado sob a suspeita de vender informações privilegiadas. O caso teve como pivô o banqueiro Salvatore Cacciola, que foi condenado em 2005 a 13 anos de prisão por crime contra o sistema financeiro relacionado à operação de socorro irregular do BC ao seu banco, o Marka, que teria causado um prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Nada ficou comprovado sobre o suposto vazamento de informações privilegiadas pelo BC.

"O mercado já comenta isso faz tempo, isto é, não é segredo para ninguém que realmente está tendo uma taxa de acerto maior e também uma movimentação maior do investidor pessoa física antes do Copom, mas isso por si só não prova absolutamente nada", disse à Agência Estado o diretor de pesquisa de mercados emergentes para Américas da Nomura Securities, Tony Volpon. Apesar de considerar que o processo de segurança do BC seja bastante rígido e sem espaço para vazamentos, Volpon disse que é muito importante a investigação da CVM sobre as movimentações atípicas no mercado futuro de juros ao redor da reunião do Copom para zelar pela credibilidade do processo.(Colaborou Márcio Rodrigues)




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