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Gente do ABC - A guarda de Alá
Por Luciana Yamashita
Especial para o Diário
18/11/2006 | 19:34
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Depois dos atentados do 11 de setembro de 2001, Anice virou muçulmana. Um ano antes, havia decidido que prestaria o primeiro concurso que aparecesse. Foi o de Guarda Civil Municipal. Anice Merhe de Oliveira, 38 anos, de mãe síria e pai neto de escravos, é a única GCM muçulmana do Grande ABC. <EM>

A vestimenta típica é utilizada para ir até o quartel e para sair dele. Durante o período de trabalho, Anice troca o lenço, o Rijab, e a roupa comprida, a Galabia, pela farda: camisa, calça, jaqueta e boné.

A indignação ao ver a cobertura de alguns veículos de comunicação sobre os atentados contra o World Trade Center foi o que fez Anice se interessar ainda mais pela religião. “Fui criada por árabes, amorosos e cuidadosos. Tudo que via na mídia não tinha nada a ver com o que aprendi”, conta. Anice fez catecismo e primeira comunhão, mas não era freqüentadora das missas.

Ela procurou a mesquita de São Bernardo, onde mora, cheia de questionamentos. “O Sheik respondeu e explicou tudo que eu perguntei. Acho que a ligação com a religião vem de dentro para fora”. Fez o testemunho de fé e passou a seguir as leis do Alcorão.

O primeiro lenço na cabeça que vestiu foi improvisado. “Tinha guardado um lençol verde do meu filho, arrumei com cuidado e sai para a rua”.

Na época, para infelicidade de Anice, passava a novela O Clone, ambientada no mundo islâmico. “Na rua, viviam me chamando de Jade (a personagem principal da novela) e eu não respondia”.

A primeira lição que aprendeu e carrega é a tolerância. “Levo para o dia a dia de GCM e para a vida o respeito acima de tudo.”<EM>

Anice é divorciada há nove anos, e possui três filhos, de 15, 10 e 8 anos. Apenas o mais novo, que segue os passos da mãe, mora com ela. As duas filhas mais velhas moram com o pai no Sul.

A família e os colegas de trabalho estranharam quando Anice passou a seguir o islamismo. “No começo, a família achou estranho, mas viram que não mudei a minha essência”, afirma.

A decisão de prestar o concurso público ocorreu em 2000. “Trabalhava como tesoureira no sacolão do meu primo. Ia fazer 30 anos e queria um emprego estável.”

Quando entrou para a GCM de Santo André, todos a conheceram com vestimentas `comuns´. No ano seguinte, foi a surpresa. “Quando entrei no quartel com lenço e a galabia, todos ficaram mudos”, lembra.

Na GCM, já trabalhou como motorista de viatura. Agora, trabalha nos arredores do Paço Municipal de Santo André. As mudanças no cotidiano também levaram tempo para serem compreendidas por todos. “Os muçulmanos não cumprimentam pessoas de fora da família com beijo no rosto. As pessoas sempre vinham cumprimentar, mas eu já estendia a mão e explicava com jeito.”

Com o tempo, os próprios parceiros de trabalho já entravam na frente de Anice antes que outras pessoas a cumprimentassem com beijo no rosto. “Explicavam por mim e todos sempre me respeitaram muito”, conta.

As cinco orações diárias são feitas apenas quando não está em alguma ocorrência. Como mora perto da mesquita, acorda cedo e vai rezar às 5h, antes de começar seu expediente na GCM.

O melhor da profissão? “Todos os dias acontecem coisas diferentes e aprendemos muito. E as pessoas confiam demais em você para qualquer ocorrência”, conta.

Novo casamento só se for com muçulmano. “Tem que haver entendimento. Quero casar de novo, afinal, está no Alcorão, ninguém nasceu para ser sozinho”, afirma.



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