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Década dos diretores
23/11/2009 | 07:00
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Tudo começou com uma rajada de balas e terminou com um inferno disfarçado de paraíso - entre Bonnie e Clyde, lançado em 1967, e O Portal do Paraíso, de 1980, o cinema americano viveu seu último apogeu criativo, construído por jovens talentos como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg e vários outros.

 "Se alguma vez houve uma década de diretores, foi a de 1970", sustenta o jornalista Peter Biskind, que fez inúmeras pesquisas e entrevistas para escrever Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock'n'roll Salvou Hollywood: Easy Riders, Raging Bulls, que a editora Intrínseca lançou no fim de semana, com preciosa tradução de Ana Maria Bahiana.

Publicado originalmente em 1999, trata-se de um retrato meticuloso e escabroso de como uma geração de cineastas assumiu o controle da produção cinematográfica americana depois da falência dos grandes estúdios.

Rapidamente batizado de Nova Hollywood pela imprensa, o movimento, além de legar um conjunto de filmes históricos, ensinou muito sobre o atual funcionamento de Hollywood.

O ano de 1969 marcou o início de uma recessão de três anos, com uma queda vertiginosa na venda de ingressos.

A Noviça Rebelde foi o derradeiro suspiro dos filmes ‘para toda a família', e nos cinco anos seguintes a Guerra do Vietnã cresceu de um pontinho no mapa em algum lugar do Sudeste Asiático a uma realidade que podia roubar a vida de qualquer garoto, "até mesmo do seu vizinho", escreve Biskind. Assim, diante da hemorragia financeira do fim da década, um novo grupo de executivos estava consideravelmente mais inclinado a correr riscos que seus predecessores, oferecendo condições inigualáveis para os jovens criadores.

A porta estava aberta, portanto, para bandidos heróis (Bonnie e Clyde), família de mafiosos (O Poderoso Chefão), a deterioração mental de um homem violento (Taxi Driver), lunáticos médicos de guerra (M.A.S.H) até que o estrondoso sucesso de Guerra nas Estrelas (produção de 9,5 milhões de dólares e faturamento de US$ 100 milhões em apenas três meses) e o retumbante fracasso de O Portal do Paraíso (custou US$ 50 milhões e faturou US$ 1,5 milhão) permitiram que os executivos retomassem as rédeas e criassem um estilo de produção mais cauteloso e menos original. Sobre a ascensão e queda daquela geração, Biskind respondeu, por e-mail, às seguintes questões:

Os diretores foram culpados pelo fim daquela era criativa?
PETER BISKIND
- É difícil usar a palavra culpa. Os diretores certamente não ajudaram ao consumirem muita droga e gastar muito dinheiro. Mas sempre considerei os poderes econômicos, sociais e políticos, decisivamente influentes. Os grandes blockbusters (O Poderoso Chefão, O Exorcista, Tubarão, Guerra nas Estrelas) mudaram tudo. Eles ressuscitaram os estúdios, que então voltaram a se afirmar, aumentando o problema dos diretores ao focarem nesses blockbusters. A Paramount abriu o caminho, retomando o poder que os estúdios foram obrigados a repassar aos diretores. Ao mesmo tempo, o marketing mudou - tornou-se muito mais caro estrear um filme, principalmente por conta do custo de anúncios em TV e das centenas salas de exibição. E, uma vez terminada a Guerra do Vietnã, com o recrutamento tornando-se coisa do passado, o público dos grandes filmes dos anos 1960 e 1970 tornou-se adulto e arrumou emprego. E os garotos que vieram em seguida não estavam interessados naquele cinema.

Quando dirigiu Guerra nas Estrelas, George Lucas suspeitava que o filme seria um sucesso revolucionário?
BISKIND - Realmente, não acredito. Ele tinha uma visão profética, no entanto, sobre o cansaço do público em acompanhar tramas complexas como as dirigidas por Robert Altman e Arthur Penn. Lucas percebeu que a plateia queria apenas se divertir por meio de simples universos morais divididos entre chapéus brancos e negros, Luke Skywalker e Darth Vader.

Qual o estado atual do cinema americano?
BISKIND
- Muito ruim. Os estúdios produzem caríssimos filmes baseados em quadrinhos e os independentes, que supostamente deveriam segurar as pontas, praticamente desapareceram. A maioria dos estúdios fechou seus departamentos de produções independentes neste ano e os filmes que ainda estão sendo realizados são insípidos e tediosos.

Seu livro foi originalmente publicado em 1999. Que alterações faria se o escrevesse nos dias atuais?
BISKIND - Continuo por trás do livro. Desde que ele foi publicado aqui, houve uma certa folga, com algumas pessoas garantindo que os filmes realizados nos anos 1960 e 1970 não eram tão bons assim, o que considero uma tremenda bobagem. Foi uma era de ouro e, a julgar pelo atual caminho do cinema, a última. Um detalhe que deixei de lado e que poderia entrar agora é o surgimento das agências de talento nos anos 1970, que tiveram um grande impacto nos 1980 e 1990 na forma como Hollywood faz cinema. Escrevo agora um artigo para a revista Vanity Fair sobre um agente chamado Freddie Fields, que dirigiu a agência CMA de 1965 a 1975, período em que influenciou enormemente quem fazia cinema na época e nos filmes que realizavam.

Enquanto a década de 1970 foi a era de poder dos diretores, as seguintes foram dominadas por produtores, distribuidores, homens do marketing. Artistas não sabem cuidar de uma produção ou o poder de um orçamento fala mais alto?
BISKIND - Historicamente, os estúdios comandaram o show. Filmagens e publicidade são muito caros, portanto o dinheiro determina, ainda que a revolução digital tenha barateado os custos de produção e novos métodos de distribuição, como por exemplo a internet, tenham feito o mesmo pelo marketing. Os estúdios retomaram o poder nos anos 1980 e recuperaram uma força tal que provocaram uma reação dialética, conhecida como ‘cinema independente dos anos 1990', que mudou as regras do jogo. Os estúdios, então, cooptaram aquele movimento a tal ponto que o que eles produzem hoje não passa de porcaria. Cineastas, com raras exceções, não são talentosos nem para controlar orçamentos, tampouco para cuidar do próprio trabalho, daí o motivo de termos filmes tão longos nos dias atuais. Essas duas funções teoricamente deveriam ser realizadas por produtores.

Como é possível analisar o atual cinema americano: sua força se deve a fatores econômicos ou há uma influência em seu estilo?
BISKIND - Não se pode separar aspectos econômicos do estilo. Não existe algo como um cinema de pobreza, com um perfil muito próprio, e outro de riqueza, também com um estilo distinto. Hollywood pratica o cinema da riqueza e, nos Estados Unidos, mesmo no que se acostumou chamar de ‘independente', é preciso ostentar essa pujança na produção em forma de maciez na linguagem, sofisticação estilística, embora um filme que atualmente faz sucesso por aqui, Precious, sobre a periferia negra, seja muito irregular, algo parecido com o brasileiro Cidade de Deus, que, na verdade, é só um pouco irregular. De uma maneira geral, não há muita tolerância aqui para filmes como Gomorra. Preferimos O Poderoso Chefão, uma fantasia.




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