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Vida de médica em tempo de boicote
Adriana Gomes
Do Diário do Grande ABC
31/07/2004 | 18:30
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A rotina da médica ginecologista e obstetra Beatriz Freitas de Moura, que integra o movimento dos médicos que levou ao boicote de convênios no Grande ABC, caracteriza um bom exemplo das dificuldades que os profissionais da área enfrentam nos últimos anos. Beatriz, moradora de Santo André com consultório em São Bernardo, atende de 20 a 25 pacientes por dia, em consultas regulares, cirurgias e partos. Sábado sim, sábado não realiza procedimentos cirúrgicos. “E cada vez tenho de trabalhar mais porque a carga tributária é de 40%”, diz a médica, 51 anos, sobre o total de impostos que incide sobre seus ganhos.

Como qualquer profissional liberal, Beatriz precisa arcar com todos os custos do consultório, diferentemente dos profissionais contratados por empresas. “Só de materiais descartáveis, gasto R$ 400 por mês. O aluguel do espaço, que divido com um colega, é de R$ 700.” A última conta de luz do consultório registra um valor de R$ 100, e os salários dos três profissionais contratados pelos dois médicos – duas secretárias e uma faxineira – somam mais de R$ 2 mil mensais se forem somados os encargos sociais.

Perdas e ganhos – Enquanto isso, convênios como a Ômega e a Imasf (que negociaram recentemente um aumento junto aos médicos) pagam R$ 26 e R$ 25 por consulta, respectivamente. Se forem considerados todos esses valores, não é difícil entender porque os profissionais de medicina dobram seus expedientes atualmente. Na última sexta-feira, Beatriz atendeu 20 pacientes no consultório. Uma média de atendimentos que resulta em cerca de 240 consultas/mês, descontando eventuais procedimentos cirúrgicos. Se cada um desses atendimentos render R$ 26 brutos para o médico (valor pago pela empresa Imasf, que atende os funcionários da Prefeitura de São Bernardo), o rendimento será de R$ 11.440 ao mês.

No entanto, 40% desse valor é pago em impostos, o que significa uma carga tributária de nada menos que R$ 4.576. Restariam à ginecologista, R$ 6.864, caso a médica não tivesse que arcar ainda com as despesas do consultório. De acordo com os valores fornecidos pela ginecologista e os cálculos feitos pela reportagem, a soma desses gastos com salários, aluguel, luz, água, materiais e telefone somam pelo menos R$ 2,2 mil, o que significa que restam menos de R$ 5 mil de rendimento líquido ao mês para a médica, caso não existam procedimentos cirúrgicos agendados para engrossar a renda.

“E eu pago os cursos superiores das minhas duas filhas. A mensalidade da que cursa medicina é de R$ 1,8 mil, o que prova que nós médicos gastamos muito para estudar”, observa Beatriz, que é viúva e recebe uma pensão de pouco mais de R$ 1,3 mil do marido falecido, que também era médico. “Mesmo nos tempos daquela inflação horrorosa, anos atrás, era menos ruim a nossa situação. Os impostos aumentaram demais e as empresas de saúde obrigaram os médicos a atuar como pessoas jurídicas, o que significa drástica redução de custos para essas empresas e uma queda brusca em nossos rendimentos”, declara.

Solidariedade – Mas a médica ainda encontra espaço para a solidariedade em meio à crise. A paciente Alessandra Cristina Sangregório Pereira, de 23 anos, ganhou os procedimentos cirúrgicos da médica na última sexta-feira. Cliente da Medial Saúde, uma das empresas boicotadas pelos médicos, Alessandra pagou R$ 42 pela consulta mas não precisou custear as pequenas intervenções cirúrgicas, que a médica Beatriz realizou no próprio consultório. “Ela nem comentou nada. Fez de graça”, contou.




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