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Murilo Benício: peão arisco como touro
André Bernardo
Da TV Press
27/03/2005 | 13:26
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Entrevistar o ator Murilo Benício é tão difícil quanto montar o touro Bandido, o mais temido do Brasil. Guardadas as devidas proporções, os dois são igualmente ariscos. Tímido e reservado, o intérprete de Tião, de América, raramente encara o interlocutor, fala num tom inaudível de voz e não disfarça a pressa em dar por encerrada a entrevista. Não é à toa que Murilo, num raro momento de bom humor e descontração, garante que virou “amigo de infância” de seu mais novo colega de trabalho. “Respeito muito os animais. Sempre que vou montar em um cavalo, faço um carinho antes, deixo ele me cheirar, vou com calma. Com touro, é a mesma coisa. O Bandido já virou um velho conhecido. Dividimos o mesmo camarim na Globo”, brinca.

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PERGUNTA: Qual a maior dificuldade que enfrentou para compor o Tião, de América?

MURILO BENÍCIO: Ah, sem dúvida nenhuma, foi ter de subir em um touro de verdade no brete de Barretos. Fiquei com muito medo. Mesmo sabendo que ninguém abriria a porteira, tomava cuidado de amarrar uma corda no brete. Sempre que gravo uma cena dessas, os peões ficam rindo de mim. Paciência! Mas eu só imito que estou em cima do touro quando a cena é na arena. Não chega a ser um touro mecânico, mas é como se fosse. Mesmo assim, eles ficam  inquietos. Alguns chegam a dar chifradas para trás. Você não imagina a adrenalina...

PERGUNTA: Não deu vontade de, um dia, montar em um touro de verdade?

BENÍCIO: Que é isso? Eu já montei neles parados. Deus me livre de montar neles de verdade (risos).

PERGUNTA: Mas qual foi a sua reação ao saber que teria de subir no touro, mesmo que seja apenas no brete de uma arena?

BENÍCIO: Fiquei assustado. Mas também não cheguei de cara e subi logo no bicho. Tive uma preparação antes. Passei uma semana na fazenda do Tião Procópio, que fica em São José do Rio Preto. Foi ele que trouxe o rodeio de touro para o Brasil e, inclusive, inspirou Glória Perez a escrever o meu personagem. Mesmo assim, não tive a pretensão de imitá-lo. Não estou fazendo uma biografia. O máximo que fiz foi limpar o meu sotaque, para não ficar muito carioca. O Jayme preferiu não adotar sotaque muito carregado, até mesmo para não haver disparate entre um ator e outro.

PERGUNTA: O que mais impressionou você em Barretos?

BENÍCIO: Não conhecia o universo dos rodeios. Vim a conhecer agora, quando fui gravar lá. Fiquei impressionado com a simplicidade dos peões, com a serenidade deles. Na verdade, eles não passam de moleques, são todos muito novos, têm entre 18 e 25 anos. Fiquei impressionado também com o amor que eles têm pelos animais. Como toda pessoa desinformada, eu achava que as pessoas maltratassem os bois. Fiquei surpreso ao constatar justamente o contrário. Eu mesmo testemunhei uma discussão entre um tropeiro e um peão, que queria montar no touro dele com uma espora mais pontiaguda que a habitual. Como aquela espora machucaria o animal, o tropeiro não deixou e pediu que ele usasse uma roseta mais grossa.

PERGUNTA: Mas algumas ONGs ligadas à defesa e proteção dos animais garantem que a novela vai incentivar os maus-tratos. O que você pensa disso?

BENÍCIO: Eu acho que essas ONGs não têm a menor noção do que acontece nos rodeios. Elas não imaginam o amor que os peões têm pelos animais que eles montam. Na cabeça do peão, tanto ele quanto o touro são atletas. Além disso, o tropeiro é a pessoa que mais se preocupa com o bem-estar do animal. Afinal, mais do que ninguém, ele quer que o seu touro esteja pulando no próximo rodeio. Você sabia que um mesmo touro, por exemplo, não pula mais de duas vezes em um mesmo rodeio? Nem eu. Eu era muito ignorante a respeito desse assunto.


PERGUNTA: Então, os tropeiros não recorrem a técnicas sádicas, como espancamento e choque elétrico, para obrigar bois a corcovearem mais na arena?

BENÍCIO: De jeito nenhum. Quando uma pessoa diz que se maltrata touros num rodeio, ela está, na verdade, dizendo que é ignorante em relação àquele assunto. Essas denúncias não fazem o menor sentido. Estive lá, ajudei os peões a amarrarem os touros. Quando você amarra a cintura do touro, não pega em absolutamente nada. O animal, simplesmente, sente um incômodo e resolve pular. A propósito, não é todo touro que pula. Há touro, por exemplo, que você abre a porteira e nada. Ele continua parado. Essa é a melhor resposta de que não existe nada machucando o animal. Você amarra o bicho, sobe em cima dele, mas ele não pula. A Glória vai explicar essas coisas direitinho na novela.

PERGUNTA: Como está sendo a convivência com o Bandido?

BENÍCIO: A melhor possível. Já dividimos até o mesmo camarim na Globo (risos). Mas, falando sério, respeito muito os animais. Sempre que vou montar em um cavalo, por exemplo, não chego logo e vou subindo. Faço um carinho antes, deixo ele me cheirar, essas coisas. Com o touro, é a mesma coisa.

PERGUNTA: Você tinha  familiaridade com o universo rural?

BENÍCIO: Nenhuma. Mas adoraria ter. Quando era pequeno, andava a cavalo e convivia com bichos na minha casa em Friburgo. E só. Quando viajei para Barretos, fiquei com uma pena danada do Antônio. Meu filho leva uma vida muito urbana. Não tenho mais sítio ou fazenda onde possa levá-lo. Estou pensando em proporcionar isso a ele.


PERGUNTA: A certa altura, o Tião vai levar um tombo, entrar em coma e viver uma experiência de quase-morte. Você acredita nisso?

BENÍCIO: Na verdade, nem sei se já posso tocar nesse assunto. A Glória pretende escrever sobre isso mais para a frente. Agora, respondendo à sua pergunta, acredito em vida após a morte, sim. Não dá para acreditar que, depois que a gente morre, tudo se acabe. Na verdade, sou muito religioso. Não passo uma noite sem rezar. Meu santo de devoção é São Judas Tadeu. Os peões sabem do alto risco, mas  não vivem pensando na morte.

PERGUNTA: A exemplo da Sol, você também já viajou para os Estados Unidos. Como foi ?

BENÍCIO: Difícil para caramba. Morei lá, entre 1989 e 91. Queria aprender inglês e, quem sabe, estudar teatro. Mas não conhecia ninguém nos Estados Unidos. Na época, meu irmão morava lá, mas em São Francisco. Para se ter uma idéia, cheguei a passar fome na Califórnia. Durante algum tempo, sobrevivi comendo pão e tomando leite. Como não sabia falar inglês, encontrei dificuldades para arranjar emprego. Até que comecei a lavar o chão de uma pizzaria. Depois, passei a entregar jornais, lavar vidraças, trabalhar como garçom.

PERGUNTA: Você chegou a sofrer discriminação por lá?

BENÍCIO: Ah, sim, o tempo todo. Só que a discriminação que eu sofria era muito sutil. Sabe quando alguém olha para você com ar de superioridade? Pois é. Você tem a nítida sensação de que aquela pessoa não te respeita. Vivi muito isso lá. Felizmente, realizei meu sonho de estudar inglês e fazer teatro nos Estados Unidos. Mas, para quem tem vontade de morar lá, eu não aconselho.        



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