Cultura & Lazer Titulo
Pesquisa científica x pesquisa aplicada
Franklin Rumjanek*
25/01/2010 | 07:00
Compartilhar notícia


Em recente encontro sobre a questão do "empreendedorismo" na universidade, voltou à tona o debate sobre a pesquisa científica básica versus a pesquisa aplicada, com as virtudes e os pecados de cada uma. Nada disso é novo, mas esse tópico ressurge com regular periodicidade. Os partidários da pesquisa básica alegam que a ciência deve ser justificada apenas pela própria ciência. Já os pesquisadores que se motivam pela busca de uma solução objetiva para um determinado problema argumentam que esse é o verdadeiro fulcro da ciência.

De fato, é esse último lado da ciência que tem apelo para a sociedade, que em geral vê o cientista como o agente que deve trazer - e traz - soluções para questões comunitárias, em especial as de cunho técnico. Para os adeptos da pesquisa básica, os outros são inventores, uma estirpe não pura de cientistas que se contaminaram com o que é considerado uma demanda um tanto "pedestre". Um exemplo eloquente é o de Thomas Edison, inventor norte-americano sem rival, bem-sucedido comercialmente, que até hoje não é unanimemente aceito entre os altivos pensadores. É possível que Edison também seja encarado com reserva por não ter tido uma educação formal (na verdade, foi expulso da escola devido a dificuldade de aprendizagem).

Ao que consta, a necessidade ou tendência de estabelecer níveis hierárquicos é histórica. Antes dessa divisão, a querela era outra. Na Grécia antiga, por exemplo, na época dos grandes filósofos, que deixaram uma profunda impressão no pensamento contemporâneo, desprezava-se a experimentação. A ideia de testar uma hipótese por meio de experimentos era tida como não nobre, algo questionável e reprovável. O que importava era exercitar a dialética e esgotar o assunto usando tão somente a retórica.

Essa postura, felizmente, caiu em desuso com o passar do tempo, graças talvez ao matemático e físico Arquimedes de Siracusa, adepto ferrenho da experimentação, que contribuiu enormemente para a ciência, tendo sido inspirado principalmente por questões práticas. Entre seus legados estão a teoria das alavancas, a determinação do centro de gravidade, a estatística, as roldanas e o seu princípio mais famoso, o estudo da gravidade específica - o nome "princípio de Arquimedes" sobrevive até hoje. Por essa e outras influências, o método científico exige hoje que uma teoria só seja sacramentada depois de testada experimentalmente.

Algum fiel da balança pode indicar para qual polo tende a verdade? Para tentar encontrar uma resposta, devemos antes perguntar qual é, atualmente, o indicador supremo, global e incontestável de qualidade científica? Que comenda consagra e imortaliza seus vencedores?

Ninguém duvida que o prêmio Nobel seja esse marco. O próprio Alfred Nobel, criador da Fundação que leva o seu nome, distinguiu-se por ter inventado a dinamite - e isso já é um sinal favorável à ciência aplicada. Assim, quem tiver curiosidade e paciência pode examinar a lista dos prêmios, desde 1901, nas diversas categorias (ver http://nobelprize.org/nobel_prizes/).

Esse exame sem dúvida revelará que muitos prêmios (em física, química, medicina e, em muitos casos, economia) foram concedidos claramente em razão do nível de aplicação prática. Outro indicador interessante está nos editais recentes de agências como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as várias fundações estaduais de amparo à pesquisa. Um grande número dessas chamadas conclama os cientistas a encontrarem a cura para diversas endemias e outras doenças degenerativas e também para melhorar a economia do País e a sua autossustentação por meio de melhoramento animal e vegetal.

Desse modo, não deve surpreender que é assim que caminha a ciência. Vale enfatizar que é a ciência aplicada que em última análise confere poder a uma nação. Na época em que portugueses, espanhóis e ingleses dominavam o mundo, só o faziam porque conheciam a arte da navegação, tecnologia que hoje não emociona ninguém, mas que na época dividiu o mundo em colonizadores e colonizados.

*Instituto de Bioquímica Médica, Universidade Federal do Rio de Janeiro. franklin@bioqmed.ufrj.br




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;