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Cotidiano
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Nos palcos da vida
Por Rodolfo de Souza
07/11/2019 | 07:00
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Ando meio cansado desse negócio de me apropriar de cenas um tanto pitorescas do campo governamental daqui. Tenho de admitir, contudo, que têm me servido de inspiração os episódios normalmente grotescos do cenário político deste imenso circo. E, verdade seja dita, é assunto que ultimamente mais material fornece para boas crônicas. Como numa peça teatral, sugere textos dramáticos, trágicos e até saborosas comédias. Como num filme, o suspense e o terror inspiram ótimos relatos que prendem a atenção e a respiração. Pronto. Não tem jeito. É só navegar pelas notícias diárias e escolher. Aliás, é preciso, antes de tudo, colher cada fruto maduro e, depois, acolher a ideia fresquinha que dele vier. E, então, com muito esmero, botar para trabalhar a pena digital, sempre afoita, em busca das palavras que melhor retratem a coisa em si.

E, de olho no sucesso e no glamour dos palcos, pensei de cara no drama. Claro que logo me veio à mente a imagem de imensas filas de gente em busca das raras oportunidades de trabalho, neste nosso, cada vez mais injusto, mercado. Também me tocou o retrato cotidiano de um povo arremessado na sarjeta da vida. É situação que normalmente resulta em muitas linhas, e que, dependendo da mão do autor, pode até verter alguma lágrima do sensível amante da arte que não se deixa seduzir pelas notícias nada comprometidas com a verdade, veiculadas pelo velho jornalismo tacanho.

Pessoas, vítimas de balas perdidas e da bestialidade que constrói prédios com material vagabundo só para vê-los ruir; corpos sepultados na lama do descaso; a floresta em chamas; o mar besuntado pelo óleo negro, o incentivo à violência gratuita... Sentimento de comoção é de fato o que brota no peito diante de tantas tragédias, que se tornaram corriqueiras aqui neste lugar repleto de palcos, picadeiros e plateia quieta, que esbanja calma. Aliás, muito se tem falado a respeito das tragédias locais, embora pouco se tenha feito para evitá-las. Mesmo porque, dão bilheteria.

E, face a um mundo que desmorona bem diante dos nossos olhos, várias são as pistas que nos conduzem a fatos futuros. Muitos equívocos também existem, claro. Há, contudo, um eterno suspense no ar com relação à cena seguinte. Há mesmo certa apreensão sobre o que se verá no próximo ato. As pessoas olham de soslaio, porque aprenderam a desconfiar da própria sombra. Não é culpa delas, uma vez que a insegurança bate à sua porta todo o santo dia, levando de roldão seu sono leve.

O terror, por sua vez, é encenado nas ruas, nos morros, no medo que não dá sossego, nas ameaças constantes, na guerra de nervos disseminada pela mídia e pelas redes sociais onde se refugiam a mentira, as palavras de ódio, o preconceito descarado e as batalhas pelo poder.

Vê, caro leitor, não sobrou lá muito espaço para a comédia. Ou talvez eu não saiba como fazer para inseri-la num contexto que privilegia drama, tragédia, suspense e terror. 

De fato não há lugar para o humor quando o sofrimento é protagonista do espetáculo.




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