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Medo faz PMs esconderem identidade
Por Artur Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
16/11/2005 | 08:02
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Ser policial militar é prejudicial à saúde, adverte quem veste a farda cinza dia sim, dia não, e encara o trabalho nas ruas. Em serviço, a tarefa de conter criminosos cada vez mais ousados é arriscada. Mas é no horário de folga que o distintivo pesa mais. Prova disso é o fato de que a maioria absoluta das mortes violentas de PMs ocorre fora do período de serviço. Nove PMs que foram mortos no ano passado no Grande ABC estavam fora do horário de expediente. Óbitos que, muitas vezes, ocorrem durante o bico como segurança. Em outras ocasiões, policiais são sentenciados à morte por criminosos.

Foi o que ocorreu no último dia 29 com os soldados Simone Rovaron e Marcos Brito, seqüestrados em Diadema. Ela foi torturada e morta e, seu colega, baleado na cabeça. Até ontem, estava hospitalizado em estado grave. Os seis acusados, presos ao longo da semana passada, fizeram um churrasco para comemorar o feito no dia seguinte.

Evitar sair fardado antes e depois do expediente é o jeito que muitos encontraram para aliviar a sensação de estar com um alvo pintado nas costas. Ou virar “troféu de bandido”, como dizem os policiais. “É como se a gente tivesse uma amante. Essa vida dupla mata a gente”, conta o PM Carlos (*), de Santo André. Como muitos, ele paga o ônibus para não ter de se identificar – policiais têm direito à condução gratuita, desde que apresentem a carteira funcional –, seca a farda atrás da geladeira e evita o contato com a vizinhança de um bairro da periferia da cidade. Até a filha de 8 anos entra na lei do silêncio. “Ela é orientada a não falar para os colegas da escola estadual que o pai é PM até para não ser vítima de preconceito.”

De 2002 a 2004, 199 foram mortos e outros 1.259 feridos durante a folga, de acordo com dados da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado. “Nos anos 70, eu saía desarmado para passear com a namorada vestido em traje de gala. Bandido respeitava. Hoje, o marginal sabe que é policial e chega atirando, porque sabe que ele está sozinho, sem colete e tem uma arma para ele roubar”, afirma o presidente da Associação de Cabos e Soldados do Estado, cabo Wilson de Oliveira Morais.

Algumas vezes é a vingança que motiva os criminosos. “Um dia, saí de casa de manhã para trabalhar e dois caras começaram a atirar. Prendi tanta gente na vida... Quem garante que não voltaram para me pegar?”, questiona o PM José (*), de Diadema. Até hoje, não sabe bem a motivação dos criminosos, que acabaram fugindo. Mas a cena continua martelando na sua cabeça. Lembra que viu os dois descendo a rua e, quando um dos rapazes ia sacar a arma, atirou. O outro estava atrás dele. O tiro o acertou na perna. Essa foi uma das quatro balas que já atingiram seu corpo. Estava de folga em todas as ocasiões. Nunca teve uma farda perfurada por um projétil.

“Se for considerar a ameaça mínima, todos nós estamos sujeitos. Se temos um policial declaradamente ameaçado, nós temos recursos internos para dar proteção a ele. Mas isso só ocorre quando há uma ameaça declarada”, afirma o coronel Marco Antonio Moysés, coordenador operacional da PM no Estado.

Resta, portanto, aos policiais se defenderem como podem do inesperado. Para o PM Carlos (*), que mora próximo a uma favela no Grande ABC e atua no policiamento da área do Heliópolis, na zona Sul de São Paulo, encarar os criminosos de uma das favelas mais violentas da capital é mais seguro que sair às ruas em dia de folga. Em caso de assalto, ele não tem dúvidas. “Se não reagir, você corre o risco de ser pego, torturado e morto. Se reagir, pelo menos morre tentando”, afirma.

O coronel Moysés afirma que o policial reagir ou não ao assalto é questão de oportunidade. “Se eu, policial, tiver oportunidade, tenho o dever de reagir. Mas nós aconselhamos às pessoas que nunca reajam, porque não têm o dever de ofício.” Vale lembrar que as famílias de PMs mortos fora de serviço, mesmo que por dever de ofício, não recebem o seguro de vida.

Sandro (*), nove anos de Corpo de Bombeiros e dois de PM, sempre foi contra a reação em assaltos. Mas se viu obrigado a reagir a um assalto para salvar os familiares. Foi expulso e condenado à morte pelos traficantes do bairro. A família se escondeu em Minas Gerais. Ele ficou. Morando no Batalhão.

A vida de PM deixa muita gente abalada, afirma Sandro. “Tem muito policial que está doente, com problemas psicológicos, e não sabe.” Para prevenir esses casos, a PM tem o Casj (Centro de Assistência Social e Jurídica). Todos os policiais envolvidos em casos de confronto passam 17 dias no centro, que oferece atividades de lazer, esporte e assistência psicológica. “No final, uma comissão de análise faz um diagnóstico e determina o nível de acompanhamento”, explica o major José Ari Pereira, do Casj.

A PM não informou o número de policiais afastados por problemas psicológicos alegando que a informação é estratégica. Major Pereira, no entanto, afirma que o número de afastamentos é pequeno. O Casj também tem um trabalho voltado à prevenção de suicídios. Dados Associação de Cabos e Soldados revelam que, de 1997 a 2003, 176 PMs se suicidaram no Estado.

(*) Os nomes são fictícios. Policiais militares são proibidos de falar com a imprensa sem a autorização do Comando.




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