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Rubem Alves vê a beleza em todas as coisas
Melina Dias
Do Diário do Grande ABC
16/02/2005 | 12:19
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Psicanalista, pedagogo, cronista, professor emérito da Unicamp e filósofo de todas as horas. Rubem Alves, 71 anos, acaba de acrescentar mais um livro à sua obra. Desta vez, o autor parte de um poema de William Blake para dissertar com seu típico estilo generoso – repleto de citações – sobre a beleza em todas as coisas.

Comer, beber e viver, sempre bem acompanhado, tem sido a pregação de Alves, homem que valoriza as coisas simples da vida. Para tanto, ele parece exercitar a capacidade de se admirar, uma das tantas qualidades com as quais nascemos, mas perdemos ao longo do endurecimento que a vida nos impõe. Adultos, quando recorrem à Filosofia, podem exercitar o admirar-se com as coisas do mundo.

E é o que Rubem Alves faz em sua prosa franca e poética. Em Um Céu numa Flor Silvestre (Verus, 163 págs., R$ 22,90), o autor discorre sobre cinco facetas da beleza: a revelada pelo divino (fica aí clara sua tradição de pensamento católica); a exaltada pelas artes; a enaltecida pela natureza; a compartilhada pelos homens e a criada e descoberta pelo homem. Para cada um dos temas, cinco crônicas.

Conversas com amigos, como o “herege”  Leonardo Boff, uma prosaica caminhada ou a genialidade de Nelson Freire ao piano. Não importa o ponto de partida, tudo é pretexto para o “contador de histórias” exercitar sua catequização do menos é mais. “Kierkegaard, um dos meus filósofos favoritos, dizia que “pureza de coração é desejar uma só coisa”. “Quem quer muito é porque não sabe o que quer”, diz o psicanalista, em entrevista ao Diário.

Mas não se confunda o conselho como um estímulo ao comodismo paralisante. O pedagogo também sabe das urgências do mundo. Para Alves, são ações de resistência individuais que ainda o fazem acreditar na beleza. “Eu, inclusive, há muito não penso em unidades grandes do tipo ‘humanidade’. O que vejo é uma infinidade de fontes brotando no deserto... São essas florescências de bondade que me dão esperança”.

Para saber mais sobre o autor, além de seus livros, faça uma visita ao simpático site A Casa de Rubem Alves (www.rubemalves.com.br). Lá, em duas portinhas, estão os avisos em latim: Carpe diem (colha o dia como se fosse um fruto maduro prestes a ficar podre, a vida não pode ser economizada para amanhã); Tempus fugit (o tempo foge). A seguir os principais trechos da entrevista:

DIÁRIO: Uma das graves questões discutidas hoje pelos jornais brasileiros é o turismo sexual que agride nossas crianças miseráveis. Ainda dá para ver beleza neste mundo?
RUBEM ALVES: Há muitas flores que crescem no esterco. O que é assombroso é a persistência da beleza. (O psiquiatra) Victor Frankl, num campo de concentração, viu um musgo colorido crescendo numa tábua podre. E há tantas pessoas bonitas, que lutam por causas nobres. São essas absurdas epifanias do belo que nos dão esperança.

DIÁRIO: Soldados norte-americanos invadem o Iraque pelo estabelecimento da democracia, mas cometem abusos sexuais. Michael Jackson, um dos astros pop mais adorados de todos os tempos, hoje é julgado por pedofilia. O poder sempre desvirtua o Homem?
ALVES: Acho que sim. O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. O poder dá ao homem a ilusão de impunidade. E o sentimento de impunidade faz surgir, do fundo da alma, os demônios que em nós habitam.

DIÁRIO: Falando em poder, passado o primeiro deslumbre com a subida de um metalúrgico à Presidência da República, qual sua impressão sobre as diretrizes do Governo Lula, em especial na área de Educação, à qual o sr. tanto tem se dedicado?
ALVES: Ainda não consegui perceber os rumos da gestão Lula na área da Educação. Por exemplo, essa idéia de universidade para todos... Como se o aprendizado universitário (não uso a palavra “educação”, mas “aprendizado”) fosse o bem maior. Estou cansado de ver pessoas com diploma universitário completamente vazias de sabedoria.

DIÁRIO: O sr., ao longo do livro, enumera e descreve prazeres ligados basicamente aos sentidos: a música, a gastronomia, as formas e cores da natureza... O caminho da simplicidade é o caminho da felicidade?
ALVES: Eu acho que sim. A simplicidade, inclusive, é ensinada por Jesus, na parábola do homem que tinha muitas bijuterias e vendeu todas para comprar uma única pérola. Kierkegaard, um dos meus filósofos favoritos, dizia que “pureza de coração é desejar uma só coisa”. Quem quer muito é porque não sabe o que quer.

DIÁRIO: Quando o sr. fala de psiquiatria, como de combate à violência, surge o conceito de mansidão (pensamentos mansos, aprender a ser manso). Do alto de sua experiência, o sr. viu progressos da humanidade neste sentido? É otimista? E qual o “palpite” (um termo seu) quanto ao primeiro passo em direção a essa “transformação espiritual”?
ALVES: Não, não vi progressos da humanidade na direção da mansidão. Vi progressos da humanidade em direção da violência. Eu, inclusive, há muito não penso em unidades grandes do tipo “humanidade”. O que vejo é uma infinidade de fontes brotando no deserto... São essas florescências de bondade que me dão esperança.



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