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Piloto da região testa o Gripen
Por Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
21/12/2014 | 07:04
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Divulgação


Como foi o seu primeiro voo no Gripen? E qual a sua avaliação em comparação aos outros caças que já pilotou?

Foi muito gratificante ter tido a oportunidade de voar em uma aeronave de grande relevância como o Gripen. A elevada performance do motor foi realmente comprovada durante as manobras, e os sistemas integrados superaram e muito as expectativas. O que mais me surpreendeu durante o voo foi observar a total integração dos sistemas e sensores, gerenciados automaticamente pela aeronave. Além disso, a facilidade de atuar nos comandos e funções dos computadores de missão, bem como a maneira prática como as informações são disponibilizadas nos displays, realmente dignos de nota. Isso possibilitou consciência situacional muito maior do que esperávamos durante todo o voo. Com relação ao F-5M (usado no lugar do Mirage 2000, avião da frota brasileira aposentado no ano passado, enquanto o Gripen não é produzido), a principal diferença é a performance. Por ter boa relação peso-potência, o Gripen possibilita rápidas acelerações ou subidas para níveis de voos mais elevados, o que é extremamente importante para o cenário de combate atual. Em relação ao Mirage 2000, embora a performance seja similar, o grande diferencial é o sistema embarcado, que possui grande quantidade de equipamentos e sensores, totalmente integrados, o que aumenta em muito a capacidade de gerenciar armamentos e construir a consciência situacional necessária durante um voo de combate.


Quantos voos você já fez no Gripen até o momento e quantos estão previstos durante os seis meses que ficará por aí?

Realizei dois voos, uma vez que as primeiras semanas foram definidas para o curso teórico da aeronave (ele chegou em Satenäs no início de novembro). A maioria dos voos de instrução planejados ocorrerá a partir do início de 2015. Ao todo, estão previstos cerca de 60 voos.


Quando seu vizinho contava as histórias da profissão para você, e o encantava, você nem imaginava que hoje estaria pilotando um avião-caça desses, não?

A história é de certa forma curiosa. Na minha rua, ainda quando era pequeno, havia um barbeiro que se chamava Rubens. Era ele quem cortava os cabelos dos homens e das crianças. Certa vez, meu pai comentou que eu gostaria de ser piloto, e queria saber mais sobre como proceder a respeito. O Rubens, então, informou que conhecia uma pessoa que tinha sido da Aeronáutica, e que morava perto da nossa casa. Meu pai, por meio do Rubens, entrou em contato com o senhor Antônio Destro, e a partir daí passei a visitá-lo algumas vezes, no intuito de conhecer mais sobre a aviação, que para mim resumia-se basicamente à aviação comercial naquela época. Foi aí que comecei a conhecer a aviação de caça e a profissão militar em si, a partir das histórias de vida dele. Naquela época ele já estava aposentado há alguns anos, o que tornava suas histórias ainda mais interessantes. O senhor Destro era oficial de manutenção de aeronaves e chegou ao posto de major na FAB (Força Aérea Brasileira). Serviu no 1º GDA (Grupo de Defesa Aérea) na década de 1970 e participou da primeira comitiva militar que foi buscar na França os primeiros caças supersônicos do Brasil, os Dassault Mirage 3. Suas histórias a respeito da implantação do Mirage 3 no Brasil, da criação da Base Aérea de Anápolis e do 1º GDA foram os principais fatores que despertaram em mim a fascinação pela aviação de caça. Desde o meu ingresso na FAB pela Epcar (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), depois na AFA (Academia da Força Aérea), o senhor Destro sempre tentou ao máximo acompanhar minha rotina por meio da minha família, a qual o mantinha informado sobre os anos de estudos, de voos e demais atividades militares. Após seis anos de formação básica, me graduei em 2004 e ele pôde comparecer à minha cerimônia de formatura. Em 2011, enquanto ele ainda morava na mesma rua que meus pais no Rudge Ramos, e no mesmo ano em que cheguei no 1º GDA para voar o Mirage 2000 (sucessor do Mirage 3), ele disse à minha mãe que eu iria buscar as novas aeronaves a serem compradas pela FAB. Vale lembrar que a definição da minha missão na Suécia somente ocorreu em 2014. Hoje, olhando para o passado, o que acho mais interessante é que, mesmo não tendo sido intencional, eu acabei trilhando praticamente o mesmo caminho que o meu amigo. Ele, a missão na França; eu, agora, na Suécia. E ambos servimos na mesma unidade, o 1º GDA. Lembro-me como se fosse hoje, quando estava na casa do senhor Destro, eu tinha uns 15 anos, e perguntei se realmente valia a pena gastar dez anos da vida (três anos na Epcar, quatro anos na AFA e três anos de especialização na aviação de caça nas unidades da FAB) para ser piloto de caça. Ele me respondeu: ‘Eu não trocaria isso por nada’. Ele estava certo.


Como está sendo esse período de experiência na base área da Força Aérea Sueca em Satenäs? O que está sendo mais fácil e o mais difícil para se adaptar?

Acredito que a experiência de poder viver em um país de extremo desenvolvimento em todas as áreas da atividade humana, por si só, já é algo único na vida. Poder vivenciar o modo de vida de uma nação mundialmente conhecida pela igualdade social, pelos altos índices de educação, governabilidade e sustentabilidade ambiental constituem lições da mais alta importância para nos ajudar a nos tornarmos não só profissionais melhores, mas cidadãos melhores. No aspecto profissional, mais especificamente, a admiração é ainda maior. A F7 Air Base é uma instalação com total infraestrutura para a atividade aérea operacional, e o apoio ao homem é extraordinário. O rápido entrosamento pessoal e profissional com os pilotos do esquadrão constituiu fator fundamental para a nossa adaptação. Mas a ausência da minha mulher e filho, por mais de dois meses seguidos, está sendo bem difícil. Hoje, eles são a minha estrutura básica. Com a chegada deles (prevista para este mês, antes do Natal; eles ficarão com Pascotto até o fim da missão), realmente tudo ficará mais fácil.


Que experiência espera trazer aos seus colegas no Brasil?

Esperamos agregar o máximo possível de conhecimentos técnicos e operacionais da aeronave, pois a implantação de um vetor de combate como o Gripen certamente demandará esforço considerável da FAB para a sua plena utilização em prol da defesa do País. Nesse sentido, os conhecimentos relativos ao sistema operacional do Gripen, que compreende sensores, como radar embarcado, sistemas de guerra eletrônica, além dos armamentos, todos em interface homem-máquina altamente integrada, certamente será o fator de crescimento operacional da FAB.

Qanto aos jovens, que assim como você, sonham em pilotar um avião-caça um dia, que mensagem você transmitiria a eles?

Geralmente o ideal de ser piloto começa a se destacar desde a infância para aqueles ou aquelas que desenvolvem o gosto pelo voo, pelo avião. A aviação de caça não é somente um ideal, mas um sacerdócio, pois demanda grande esforço individual e longo caminho a ser trilhado. Mas, sem dúvida, o esforço vale a pena, em todos os sentidos. Acredito que assim deveria ser em todas as profissões, na verdade. Para aqueles que desejam servir ao nosso País sob as asas da Força Aérea Brasileira, que desejam trabalhar em prol da soberania aérea do Brasil, certamente a aviação de caça será profissão bastante vibrante e promissora. Faço minhas as palavras proferidas há 17 anos pelo meu amigo Antônio Destro: ‘Eu não trocaria isso por nada’.


De São Bernardo e do Grande ABC, o que você leva de experiência de vida? O que te dá mais saudade?

De São Bernardo tenho as melhores lembranças possíveis, pois foi ali que passei a primeira parte da minha vida. Como tive que sair de casa com 17 anos, para ingressar na Epcar, e, desde então, tenho tido pouco tempo para visitar os familiares, sinto muita falta da terra natal. E, com referência ao futuro desenvolvimento do Gripen no Brasil, São Bernardo certamente terá um papel dos mais relevantes, porque será, junto com São José dos Campos, um dos polos principais de produção e desenvolvimento tecnológico do País (ele se refere ao fato de a Saab aportar US$ 150 milhões para construir, em parceria com a mauaense Inbra, a SBTA, responsável pela fabricação de partes da fuselagem dosupersônico). Nesse sentido, é fácil vislumbrar o papel de destaque que a cidade terá no futuro. 




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