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Crise econômica já começa a afetar o mercado de cultura

Cancelamento de shows e diminuição dos investimentos privados são os primeiros indícios

Por Gustavo Uribe
Especial para o Diário OnLine
16/12/2008 | 07:00
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Mesmo que os efeitos da crise financeira ainda não tenham atingido em cheio a economia brasileira, os primeiros indícios de uma recessão mundial já deixam marcas na indústria do entretenimento, um dos primeiros setores a ser afetado em tempos de vacas magras.

"Como bem supérfluo, a primeira coisa que as pessoas cortam é o cineminha ou a saída de fim de semana", explica a economista Marlene Laviola, professora do Imes (Centro Universitário Municipal de São Caetano). "O que também leva os grupos empresariais a investirem menos em cultura, uma fatalidade para um setor que é tão dependente do patrocínio privado e governamental."

O Ministério da Cultura anunciou, em novembro deste ano, que os investimentos do Governo na área de cultura se manterão incólumes às turbulências da crise, sustentando um crescimento na margem de 0,1% do Orçamento anual da União. No entanto, o ministro Juca Ferreira não deixou de ressaltar que os investimentos privados, por meio da Lei Rouanet - que abate parte do imposto de renda de grupos empresarias através do investimento em cultura -, pode fechar abaixo da meta de R$ 1,4 bilhão, estipulada no começo do ano.

O mesmo precipita a Secretária de Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, Simone Zárate, para quem os investimentos provenientes da Lei Rouanet podem sofrer uma redução. "Provavelmente a crise econômica ocasionará um arrefecimento dos investimentos privados em cultura, bem como em outras ações que não visem ao lucro", disse.

As artes dependentes da verba destinada pela lei são as que mais sofrerão dos reflexos da crise econômica, como explica o economista Fábio Sá Earp, professor da UFRJ e especialista em economia do entretenimento. "Como a crise é de cima para baixo, ou seja, começou nas empresas e, quem sabe, pode atingir a população, as artes mais subordinadas ao patrocínio privado, ligadas aos espetáculos, são as mais vulneráveis aos seus reflexos."

Prova disso, foram os cancelamentos de shows e eventos por parte das produtoras musicais já no terceiro mês de alastramento da crise pelo mundo (outubro). Elas se queixam tanto da ausência de patrocínios para trazer artistas internacionais ao país como da falta de liquidez no mercado, que dificulta a obtenção de créditos a juros baixos. A empresa do ramo musical Mondo Entretenimento, por exemplo, suspendeu a realização de três shows no país, entre eles o da banda americana Nine Inch Nails.

Também do ramo de espetáculos, o teatro vem começando a revelar os primeiros indícios de que a crise trará a ele uma longa tormenta. Os caros ingressos, que circulam na faixa dos R$ 60 aos R$ 150 e vêm aumentando de valor, segundo estimativa feita pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, estão levando os espectadores a migrarem para expressões artísticas mais em conta.

Para Atílio Bari, um dos diretores da Apetesp (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais), se o governo não mantiver os incentivos às artes dramáticas, que já são poucos para ele, a crise será dura para o ramo teatral. "Já é um entretenimento com menor publicidade, menor verba pública e menor número de espectadores. Sem isso, os reflexos da crise serão diretos", alertou.

Alguns setores ganham com a crise

Quando o banco de investimentos Lehman Brothers pediu concordata no mês de setembro, criou-se um verdadeiro rebuliço no mundo das artes plásticas americano, que contava com os vultosos patrocínios da instituição na promoção de exposições e mostras. O que se viu, no entanto, foi bem diferente do que se esperava.

Duas semanas após a sua quebra, o banco ofereceu uma quantia nada modesta de US$ 39 milhões ao MoMa, um dos mais respeitados museus de Nova York, na tentativa de recuperar a sua credibilidade junto à sociedade americana. O mesmo se repetiu com as outras instituições que se aproximaram da bancarrota, dando uma injeção de ânimo ao mundo das artes plásticas.

Outro setor que vem obtendo ganhos com a crise econômica é o mercado editorial. Segundo o diretor administrativo da Livraria Cultura, Sérgio Herz, houve um crescimento na venda de publicações dos gêneros de auto-ajuda e de atualização profissional, devido à busca das pessoas por novas oportunidades de emprego quando a crise bate à porta.

"A recessão não tem sido de todo maléfica ao nosso setor. Além de livros, CDs e DVDs não serem produtos tão caros, eles estimulam que as pessoas os consumam em casa, sem gastos adicionais como transporte ou alimentação, como ocorre quando vão ao teatro ou ao cinema", pontuou. Herz também antecipou que o aumento das vendas pode atingir metas semelhantes às das crises anteriores, um crescimento de até 15%.

Em períodos de recessão econômica, segundo o professor Fábio Earp, também é comum o maior investimento editorial em reedições de best-sellers, um investimento seguro que rende lucros nada desprezíveis. "Publicar títulos novos é jogar no escuro em tempos incertos. Com uma base de sustentação mais sólida, já que não é dependente de subsídios culturais, a indústria dos livros deve confiar em fontes seguras e explorá-las ao máximo."

O professor ainda explica que o mercado cinematográfico é outro que também tem boas recordações dos períodos de recessão econômica. "Por ser um entretenimento de preços módicos e acessível a todos os públicos, o cinema é um dos setores que também obtém lucros em tempos de crise", explica. "Na depressão de 29, por exemplo, a indústria cinematográfica foi alçada ao estrelato, em contrapartida ao teatro. O público que antes freqüentava os palcos migrou em massa para as telonas".

Embora tanto o Cinemark como a Playarte tenham se negado a divulgar a sua margem de lucro nos últimos meses, ambos afirmaram que houve um crescimento na venda de ingressos.




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