Cultura & Lazer Titulo
Cuidado: homens criando
Everaldo Fioravante
Do Diário do Grande ABC
27/01/2005 | 13:23
Compartilhar notícia


Composições do artista plástico andreense Luiz Sacilotto (1924-2003) e do arquiteto francês Le Corbusier (1887-1965) andam povoando a mente de trabalhadores que erguem as instalações da Epac (Escola Parque da Ciência), na favela do Gamboa, em Santo André. Eram assuntos aos quais esse pessoal da área de construção civil não tinha intimidade: a rotina deles, marcada sobretudo por tijolo e concreto, foi arejada graças ao Mestres da Obra, projeto que consiste no uso de resíduos da construção na criação de trabalhos artísticos e/ou utilitários.

O piloto do projeto remonta ao final de 2002, uma iniciativa da empresa Pau-Brasil Educação e Gestão Socioambiental, de Santo André. O educador Daniel Cywinski, então sócio da empresa, e o arquiteto e artista plástico Arthur Pugliese desenvolveram a idéia e a colocaram em prática com dois funcionários da construtora andreense R. Madella. A dupla foi apresentada, por exemplo, ao trabalho do arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926) – criador de surpreendentes mosaicos com cacos de azulejo. Os quatro se encontraram durante cerca de cinco meses. Como resultado, vários trabalhos artísticos, obras que ganharam até exposições.

Cywinski saiu da sociedade da Pau-Brasil e criou com Pugliese uma nova empresa, a Estúdio Brasileiro Desenvolvimento Humano, também em Santo André. O Mestres da Obra foi então retomado, não mais experimentalmente.

O projeto ganhou fôlego há cerca de um ano, na construção da Epac. O patrocínio é da H. Guedes Engenharia, de São Paulo, a responsável pela obra da escola, empresa que fornece macacões, ferramentas, resíduos da construção e disponibiliza um galpão para as atividades, além de liberar os funcionários do trabalho para que possam participar do projeto e de remunerar a equipe da Estúdio Brasileiro.

"Desenvolvemos módulos mensais com 15 a 20 participantes em cada. Os encontros ocorrem duas vezes por semana, das 15h às 17h. É um trabalho de arte-educação, cidadania e com preocupações com a preservação do meio ambiente", afirma Pugliese, 30 anos.

O engenheiro civil Ciro Lopes, 30, co-responsável pela construção da Epac, vê o Mestres da Obra com bons olhos. "Os funcionários têm acesso a uma realidade que desconheciam".

Bem pensado – No Mestres da Obra, os participantes primeiro trabalham com releituras de obras de nomes como Sacilotto e Le Corbusier para depois partir para a criação livre. Desenvolveram também instrumentos musicais.

O servente de pedreiro Benedito Correia, 58 anos, natural do interior de São Paulo e morador de Santo André, pegou umas madeirinhas e as virou para um lado e para o outro, depois as pregou sobre uma base também em madeira. "Pensei primeiro em criar um foguete, mas virou um bode", diz. "Arte eu vim conhecer aqui. Agora embalei".

O pernambucano Marconi Duque dos Santos, 29, residente em Santo André, também servente, acha o Mestres da Obra "um negócio bem pensado". "Em um canteiro de obras você faz obra de arte com madeira que ia para o lixo, para o fogo. Estou gostando de participar. A gente se distrai e aprende ao mesmo tempo", diz.

Também moradora da cidade, a copeira Luciene Silva Araújo, 25, explica que quando deu início às atividades no projeto se sentiu encabulada, não queria participar. "Na primeira vez, só fiquei olhando. Na segunda, já tinha gostado", afirma.

"O Mestres da Obra me dá momentos em que esqueço da vida, deixo a imaginação funcionar. Quando é dia de atividade, não vejo a hora de terminar logo o serviço para poder participar. Fico ansiosa. Já aprendi até a falar melhor, a conviver melhor com as pessoas. O que aprendo, transmito em casa para meus filhos", diz Luciene.

Antes de participar do projeto, o eletricista paulistano Eduardo Salomão, 24, morador de Suzano, "já tinha ouvido falar de arte, visto em revistas". Depois de criar sua primeira composição artística, pegou gosto. "Já estou pensando em fazer novas obras. Com o estímulo que a gente tem no projeto, só queremos melhorar".

O Mestres da Obra foi consagrado na edição 2004 do Prêmio Amanco Por Um Mundo Melhor, iniciativa da Amanco Brasil, fabricante de tubos, conexões e acessórios sanitários. O projeto foi um dos três premiados na categoria Construtoras, por conta do trabalho com a H. Guedes Engenharia.

No site da Amanco consta que o Mestres da Obra promove, "além da inclusão e capacitação cultural, a consciência ambiental e a melhoria da auto-estima, relacionamento em grupo e diminuição do estresse dos trabalhadores".

O projeto já teve até desdobramento: está ocorrendo também em um canteiro de obras em Tamboré (Barueri), desde dezembro passado, com patrocínio da construtora Setin. Outro passo será expor os trabalhos produzidos.

Mais informações sobre o Mestres da Obra podem ser obtidas por meio do telefone 4436-2256.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;