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Região tem um estupro de vulnerável por dia

De janeiro a junho deste ano foram registrados 179 casos cujas vítimas eram crianças até 14 anos, deficientes, idosos ou pessoas sem condições de se defender

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
19/08/2020 | 00:01
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O caso da menina de 10 anos, moradora do Espírito Santo, que engravidou após ser estuprada por um tio, 33 anos, que foi preso ontem, jogou luz para um problema antigo no Brasil: a violência sexual contra crianças e outros grupos vulneráveis (deficientes, idosos ou pessoas que não tinham condições de se defender, como acamados ou sob efeito de bebida alcoólica). No Grande ABC, de janeiro a junho deste ano foram registrados 179 crimes desta natureza, média de um por dia. Os dados são da SSP (Secretária da Segurança Pública) do Estado de São Paulo.

Os números também mostram que, entre o total de casos de estupro, tem aumento, desde 2018, a proporção de vítimas vulneráveis (veja os dados na tabela). Em 2020, chegou a 76% de todos os registros. Especialistas são unânimes em apontar a importância da educação sexual como forma de prevenir os abusos e lembram a necessidade de ouvir e dar crédito aos relatos das vítimas.

Advogada e integrante da Rede Feminista de Juristas – deFEMde, Isabela Del Monde destaca que o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança, mostrou que, em 2018, dos 66.041 casos de estupros registrados no Brasil, 53,8% das vítimas tinham até 13 anos e 50,9% eram negras. Os números podiam ser ainda maiores, já que apenas 8% dos casos de estupro são efetivamente registrados pela polícia, indicam pesquisas de vitimização.

Para Isabela, é preciso que a sociedade aborde o assunto com seriedade e se disponha a falar sobre ele. “Existe pouca instrução, alta resistência a se falar de educação sexual para crianças, que na verdade serviria para salvar a vida delas, para que elas pudessem se informar sobre o que não é saudável de se permitir”, pontua.

A advogada destaca que a imensa maioria dos agressores é pessoa muito próxima das vítimas e que as sequelas de um trauma como o estupro podem acompanhar a criança pelo resto da vida. “É preciso ficar atento às mudanças bruscas de comportamento e sempre dar crédito ao relato das crianças”, completou.

Professor e pós-doutorado em direitos humanos, Marcelo Valio relata que a pena para quem comete estupro contra vulnerável pode chegar a até 30 anos de prisão e também defende a informação como arma para evitar novos casos. “Tanto a família quanto a escola devem fazer esse papel de informar e orientar as crianças”, afirma. “Ocorre que muitas vezes falta a educação para que as pessoas possam fazer isso da maneira adequada”, lamentou.

Com a pandemia de Covid-19 e as pessoas mais tempo dentro de casa, os especialistas acreditam que tenha se agravado a subnotificação. Isabela destaca que a escola é uma importante porta de entrada para as denúncias e que, com as aulas suspensas, muitas crianças e adolescentes passam mais tempo com os seus agressores (leia abaixo sobre as iniciativas das redes públicas de ensino nesse período). “A gente percebe que os atendimentos nos hospitais, as buscas pelas delegacias, tudo que implica deslocamento ficou mais difícil”, completa.

Valio aponta também para o aumento de um crime qualificado como estupro de vulnerável cometido por meio virtual, quando não há a conjunção carnal, mas a exposição do corpo nu da vítima, seja por vídeos ou fotografias trocadas pela internet. “Quanto mais informações as pessoas tiverem sobre este assunto, maior será a capacidade de proteger quem mais precisa”, relata.

Isabela lembra a importância de abordar os assuntos com as crianças e explicar que, mesmo uma pessoa em quem ela pensa que pode confiar, pode ser um agressor. “O estuprador não é um monstro. É alguém que está no convívio da criança, é alguém que já vem praticando aqueles atos. Normalmente é reincidente e, se não for contido quando descoberto, vai seguir cometendo crimes”, finaliza.


Isolamento físico agrava subnotificação

As medidas de isolamento físico adotadas como tentativa de conter a pandemia de Covid-19, entre elas a suspensão das aulas presenciais, pode agravar a subnotificação dos estupros cometidos contra vulneráveis, afirmam profissionais que atuam na área de proteção às vítimas. “Sem ir para a escola, as crianças não têm o canal de confiança para fazer a denúncia”, afirmou a advogada e integrante da integrante da Rede Feminista de Juristas - deFEMde, Isabela Del Monde .

Nas escolas públicas, algumas redes mantiveram canais para este tipo de escuta após a adoção de aulas à distância.
Na rede estadual, os professores foram capacitados por meio do Programa Conviva para lidar com as questões de vulnerabilidade e os alunos têm acesso ao chat por meio do aplicativo Centro de Mídias SP. Os casos são encaminhados às diretorias de ensino e aos conselhos tutelares, quando necessário.

Nas redes municipais, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires informaram que contam com ampla rede de enfrentamento à violência, que incluem secretarias de Educação, Saúde, os Cras (Centros de Referência em Assistência Social) e Creas (Centros Especializados em Assistência Social), conselhos tutelares e até o Ministério Público, mas que não abriram nenhum canal específico para escuta e denúncias durante o período de pandemia.

São Bernardo destacou que a Secretaria de Educação mantém contato constante com os estudantes; Diadema tem realizado plantões semanais nas escolas e contato via WhatsApp. Ribeirão informou que está realinhando protocolo que aborda as atribuições da rede de serviços do município no enfrentamento a todas as violências contra a criança e ao adolescente. Rio Grande da Serra não respondeu até o fechamento desta edição.
 




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