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Dino Altmann: "O do Ayrton, era acidente para sair andando"

Dino Altmann, vice-presidete da Comissão Médica da FIA, diz que morte do piloto do brasileiro podia ter sido evitada

Por Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
10/02/2020 | 00:01
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Divulgação


Todo o mundo que já era nascido se lembra o que fazia na manhã de 1º de maio de 1994, quando Ayrton Senna não contornou a curva Tamburello, em Ímola, bateu sua Williams e o Brasil perdeu seu maior ídolo. Entretanto, de acordo com o diretor médico do GP Brasil de Fórmula 1 e vice-presidente da comissão médica da FIA, Dino Altmann, o problema foi falta de mecanismos de segurança. “Fosse nos tempos atuais, nada teria acontecido”, disse ele, que revelou: a causa da morte não foi a perfuração na cabeça pelo braço de suspensão mas, sim, uma fratura de base de crânio por conta de acolchoamento quase que desnecessário atrás do capacete.

Como o senhor se tornou o médico do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1?

Ou você ama o automobilismo ou não está envolvido com ele. Eu sempre gostei, queria ser piloto, cheguei a fazer curso de pilotagem. Mas acabou que não rolou nada. Este foi o início. Acabei indo fazer medicina, me formei, fiz residência, trabalhei muitos anos em UTI com trauma, porque a residência de cirurgia você vê e atende muito trauma, e quando a Fórmula 1 voltou a São Paulo, em 1990, pensei: ‘Bom, deixa eu ir atrás de credencial’, porque eu sempre tive credencial para participar das corridas nos boxes, ficava cronometrando, me envolvia de alguma forma no meio. Então não sabia o que era assistir na arquibancada. Enquanto foi (disputada) no Rio de Janeiro (a corrida), nunca fui, embora tivesse canais para conseguir credencial. Então pensei: ‘Se eu for trabalhar como médico e acho que tenho competência para isso, pela boa experiência em trauma, com paciente grave’. Por acaso um professor com quem trabalhava o irmão era muito amigo do Renato Duprat, que era o executivo da Unicor, que na época prestava atendimento para a Fórmula 1. Ele me apresentou e imediatamente fui aceito. Naquele ano trabalhei numa ambulância no fim da reta oposta. Foi espetacular. Não tinha como imaginar estar tão perto dos carros. Era impressionante ver o Ayrton (Senna) entrar na curva do lago. O estilo de pilotagem era absolutamente diferente dos outros. Freava mais tarde, não deixava o giro (do motor) cair, mal tinha freado e já começava a acelerar de novo. Tirava o máximo do efeito solo que poderia imaginar. Então foi experiência espetacular. Em 1991 fui promovido dentro do time de resgate e cuidados para equipe de extração, que é treinada para imobilizar coluna do piloto, tirar ele do carro se não sai por circunstâncias próprias. E no meu terceiro ano eu já chefiava toda a equipe de pista, era responsável pelo atendimento na sala de emergência. Fiquei nessa posição por muitos anos, até que em 2001 passei a ser diretor médico do Grande Prêmio.

Como é o seu trabalho durante o GP Brasil?
Como diretor médico sou responsável por todo atendimento médico de pista e equipes. Minha responsabilidade é trazer médicos competentes para trabalhar, preciso ter retaguarda de hospital, então organizo todo atendimento tanto no circuito quanto no hospital de retaguarda. Felizmente temos o Hospital Leforte, que também organiza o centro médico do autódromo. Esse entrosamento é importantíssimo. Dessa forma consegue dinamizar melhor todo o atendimento. Porque, quando o paciente está sendo atendido na pista, o centro médico e o hospital já estão de prontidão. Não perde tempo nenhum nesse trajeto. Porque o tratamento definitivo de alguém que se machuca vai ser sempre no hospital, nada é feito no centro médico. Só serve para que estabilize, monitorize, faça tudo o que precisa para ter transferência segura ao hospital.

Além da F-1, o sr. atua em outras categorias?
Hoje trabalho na Fórmula 1, Stock Car (desde 1996) e Porsche Cup Brasil. E sou vice-presidente da comissão médica da FIA. É relevante. Nesta função nem achei que fosse continuar depois do acidente do Felipe Massa. Estou como integrante efetivo da comissão médica desde 2001. Antes eu era convidado. Fiz várias categorias, mas me firmei com Stock Car e Porsche. Não consigo fazer mais do que essas. São 18 provas por ano, mais Fórmula 1. Houve época em que eu tinha 28 provas.

O sr. é cirurgião oncológico?
Tem situações muito similares. A gente atende muito trauma. Apesar da especialização, continuei atendendo em pronto-socorro por muitos anos. Durante a faculdade a gente vê muito trauma, depois foram três anos de residência em trauma, mais 12 anos como médico em pronto-socorro. Se for somar, são 17 anos de trauma e acabei nunca parando, porque no automobilismo dá sequência. Sou professor no curso do Colégio Americano de Cirurgiões, que é para o ensino do atendimento de trauma. Com isso tudo está sempre ligado no que tem de mais moderno em trauma, as novidades. Além disso, participo de congressos.

A segurança no automobilismo avançou muito. Houve contribuição médica para isso?

Sem dúvida. Todo o desenvolvimento da segurança na Fórmula 1 na década de 1990 ou no início deste século estava nas mãos do doutor Sid Watkins (1928-2012). Ele que encabeçava toda essa revolução de segurança. Já vinha melhorando, mas depois do acidente (fatal) do Ayrton (Senna, em 1º de maio de 1994), a coisa realmente deslanchou e ganhou corpo de forma enfática. Hoje mudou. Existem engenheiros voltados à segurança do automobilismo, comandados por outro engenheiro, que é do departamento de segurança da FIA. A participação médica é fundamental, porque o médico é quem atende o piloto machucado e sabe por que se machucou ou pelo menos tem ideia do mecanismo de trauma que levou àquela lesão. Então, junto com os engenheiros vão desenvolver algo que previna esse tipo de lesão. Exemplo simples é o do Ayrton e o que aconteceu depois. O corpo do piloto ficava mais exposto, a cabeça totalmente exposta. O braço de suspensão quebrava e a suspensão ia embora. Também existia pequeno acolchoamento atrás da cabeça. No acidente, a suspensão bateu no capacete. Perfurou, todo mundo sabe que houve lesão cerebral em razão deste braço ter entrado na cabeça. Mas isso não teria matado. O que matou realmente foi que ele teve fratura de base de crânio, porque o impacto, a cabeça contra o suporte que tinha atrás, fez que com tivesse fratura de base de crânio. Foi essa a causa da morte. Hoje tem todo um suporte de cabeça e pescoço que rodeia todo o cockpit, com espuma para absorção de impacto, para não ter rebote. Dentro dos braços de suspensão tem fitas que impedem que ela e a roda se soltem. Por causa de acidente e mecanismo de lesão, vários pontos foram atacados e impedem que se repita. E isso se transferiu também aos carros de turismo. Outro exemplo é o Halo, criado após os acidentes em que pneus e bicos acertaram as cabeças do Ortiz e do Justin Wilson. Tem o acontecimento e a reação.

Acidentes como o do Ayrton Senna poderiam ser menos trágicos com os equipamentos de hoje?
Lembro na época do acidente que os carros eram bastante seguros e a gente não tinha mortes no automobilismo. Quando vi o acidente (do Ayrton), achei que era mais um, porque a gente não vê pela televisão toda a dinâmica, que a suspensão bateu na cabeça. Mas se não fosse a suspensão ter acertado a cabeça, era acidente para sair andando. Fosse nos tempos atuais nada disso teria acontecido. Mas já havia bastante segurança. Tanto que no acidente do Rubinho (Barrichello, na antevéspera de Senna, também em Ímola), ele saiu muito bem para o tamanho da batida. Teve concussão cerebral, mas não passou disso.

O caso do Michael Schumacher é um mistério para a maioria das pessoas. Entre vocês, médicos, este é assunto velado?
Ninguém fala. Poucas são as pessoas que sabem o que está acontecendo. Acho que se as coisas estivessem bem como tentam passar, não teria por que não divulgar. Analisando pelo acidente que teve, a forma como evoluiu, declarações do neurocirurgião na época, acredito que esteja em coma, percebe alguma coisa ao redor dele, muitas vezes cuidadores sabem o que ele sente, se tem dor, mas não tem comunicação. Duvido um pouco que tenha. Se tiver alguma, muito primária, infantil. Mas é tudo incógnita. Seguramente não é auto-suficiente, é dependente de outros, tanto que tem estrutura hospitalar em casa.

Como é a sua relação com os pilotos brasileiros?
Sou muito reservado. Não fico correndo atrás de piloto. Se precisam de mim, estou sempre pronto a atendê-los. Tenho amizade com alguns, mas tinha amizade principalmente com o Ayrton. A gente corria junto na USP, ele tinha casa em Angra dos Reis e eu passava parte das férias próximo de Paraty e ele vinha de helicóptero para a gente comer junto. Tinha amizade fora das pistas. Mas quando encontrava no Grande Prêmio, estava tão focado que tinha vezes que nem me cumprimentava. Eu respeitava, ele estava trabalhando.

O que dá para trazer do trabalho no autódromo para a rua?
Tem muita coisa que a gente pode levar de conhecimento dos autódromos para o atendimento pré-hospitalar. Tenho projeto que ainda não consegui pôr em prática mas tem todo desenvolvimento de criar um aplicativo e fazer um hospital virtual de trauma para a FIA. A ideia é que sirva mais para países em desenvolvimento do que aos desenvolvidos, que já têm sistema de atendimento para acidentes bem desenvolvido, pessoal treinado e capacitado. A ideia era integrar serviços em uma plataforma digital.

Temos um trânsito que mata muito. Qual é a principal falha na sua opinião?
A gente tem falha grande em todo o processo. Começa, por exemplo, com uma cidade como São Paulo, de 20 milhões de habitantes, trânsito caótico. Vai ter trânsito pior em poucos lugares do mundo. Isso já é fator negativo em termos de acidente. A educação dos motoristas não é das melhores. Você vê acontecer coisas por falta de educação e agressividade. Tem infrações que não são vistas e os motoristas continuam infringindo a lei. Também vê absurdos, principalmente com motociclistas. Faltam respeito e controle da lei. É necessário instruir e punir corretamente. 




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