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Intolerância nas redes sociais cresce em ritmo preocupante

Estudo feito de abril a junho do ano passado filtrou 542.781 menções de ódio, em temas que vão desde política e religião a homofobia e deficiência

Por Matheus Angioleto
especial para o Diário
02/05/2017 | 07:07
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Celso Luiz/DGABC


Mesmo sem ofender diretamente, comentários e atitudes do cotidiano que passam muitas vezes despercebidas contribuem para a perpetuação de barreiras e problemas sociais. Os diversos tipos de intolerância observados se tornaram comuns também nas redes sociais. O dossiê nacional sobre intolerâncias visíveis e invisíveis no mundo digital, elaborado pela Agência Nova/SB, por meio da iniciativa ‘Comunica que Muda’, teve período de análise de abril a junho de 2016 e filtrou 542.781 menções que abordaram dez temas distintos.

No período foram 273.752 comentários intolerantes sobre política, 79.484 sobre misoginia – ódio ou aversão às mulheres – , 53.126 comentários homofóbicos, 40.801 contra pessoas com algum tipo de deficiência, além de 32.376 menções racistas, 27.989 relacionadas à aparência e 14.502 sobre idade. Outras 11.256 abordaram classes sociais, enquanto 7.361 trataram de religião e 2.134 postaram comentários xenófobos (medo, aversão ou a profunda antipatia em relação a estrangeiros) no Facebook, Twitter, Instagram, algum blog ou site.

Pesquisa realizada pelo antropólogo Luiz Mott aponta que 44% dos casos de assassinatos de homossexuais do mundo ocorreram no Brasil. Em 2015 houve alta de 633% dos casos de xenofobia no País. De 2002 a 2012, o número total de assassinato de brancos caiu de 19.846 para 14.928, enquanto a quantidade de negros que foram mortos saltou de 29.656 para 41.127 no mesmo período.

O Ministério Público de São Paulo divulgou dados gerais relativos à injúria, por não ter especificação se ocorreram na internet. Em 2015 foram 856 inquéritos policiais relacionados a crimes contra a honra, enquanto em 2016 o número saltou para 993 casos na Grande São Paulo.

No ano passado, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu e processou 115.645 denúncias anônimas que envolveram 39.440 páginas distintas, sendo que 11.972 foram removidas da web. As denúncias foram registradas pela população por meio dos sete hotlines (canais) que integram a central.

A complexidade do assunto refletiu na dificuldade de a reportagem do Diário encontrar pessoas dispostas a falar abertamente a respeito do que sofreram. Um dos casos foi o da empreendedora Camila Gonçalves, 21 anos. Ela conta ter sido chamada diversas vezes de “crente”, mas uma situação, em especial, chamou a atenção dela. “Um cara me chamou no Facebook querendo conversar. Perguntou-me se eu estava namorando. À época, estava com um propósito de não me relacionar com ninguém e sempre falava que estava namorando com Jesus. Ele ironizou e disse que era difícil conversar com Testemunha de Jeová”, diz.

O estudante de Psicologia Alessandro Oliveira de Souza, 22, conta ter sido vítima de homofobia e racismo no Facebook. O caso foi motivado após postagem de foto na qual o rapaz aparece com diversos amigos utilizando uniforme de vôlei feminino. “Quando menos percebemos, a imagem estava em muitos grupos. Deparamo-nos com diversos comentários positivos, no entanto, alguns homofóbicos surgiram, falando que pessoas como nós, gays, eram vergonha para o esporte e que jogar com essas roupas justificava as agressões que muitos homossexuais sofrem. Disseram, inclusive, que deveríamos morrer”, afirma.

O Consórcio Intermunicipal Grande ABC afirmou não ter dados a respeito do assunto, mas disse, em nota, que “o tema é assunto recorrente nos grupos de trabalho e grupos temáticos que envolvem temas como Inclusão Social e Direitos Humanos”.
Questionada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Estado não divulgou dados e disse não ter as informações. Em nota, o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) afirmou que o crime contra a honra é delito apurado em todas as delegacias territoriais do Estado.

É importante denunciar às autoridades, diz especialista

Para a especialista em Direito Digital Ana Paula Siqueira Lazzareschi Mesquita, toda e qualquer forma de intolerância precisa ser reportada às autoridades. Armazenar a URL (endereço) do caso e tirar captura da tela são pontos fundamentais para que o conteúdo possa ser retirado do ar.

Caso a rede social não retire o conteúdo, um advogado pode ser acionado. “No Brasil, a gente fala muito de inclusão e pouco de Educação digital. Hoje você tem pessoas sem noção de cidadania e de direitos fundamentais com um celular na mão. Aí, elas pensam que estão em casa de pijama e podem falar o que quiser. E isso não é verdade”, afirma Ana Paula.

Segundo ela, desde 1940 o Código Penal aborda crimes contra honra, injúria, calúnia e difamação. E desde 1916 também trata o direito à imagem como inviolável. “Em 2016 evitamos que 302 casos de cyberbullying virassem processos na Justiça. Conseguimos fazer com que os envolvidos fizessem acordo, e a vítima recebesse pelo dano sofrido. O nosso objetivo é evitar a judicialização dos casos digitais”, explica.

Para o fundador e presidente da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual), Marcelo Gil, o que falta é a divulgação da Lei de nº 12.965, datada de abril de 2014, a qual trata a respeito dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios em relação ao tema, assegurando pontos como a pluralidade e a diversidade.

“As redes sociais são um campo maravilhoso, mas se você coloca uma crítica, começam a aparecer pessoas com pensamentos radicais e fundamentalistas destruidores. A tentativa de implantar a igualdade é um trabalho que não pode ser paralisado jamais”, defende. “Fui agredido recentemente. A intolerância é a falta de se conseguir conviver em sociedade. Saber que todos temos direitos iguais, queremos ser tratados com igualdade. Temos de ensinar as pessoas a conviver em sociedade com diversidade”, considera Marcelo, que afirma ter sido procurado pelo pai do jovem autor das ofensas para mediação do conflito. 




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