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Cuba em transe
Por Soraia Abreu Pedrozo
Do Diário do Grande ABC
01/12/2016 | 07:00
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Nos últimos meses, o mundo parece ter voltado os olhos para Cuba, ilha caribenha que se tornou palco de shows, como o do Rolling Stones, em março, e desfiles de moda internacionais, a exemplo do da Chanel, em maio. Ainda, recebeu em setembro do ano passado o Papa Francisco e, em março, o presidente norte-americano Barack Obama. O pontífice fez as vezes políticas e ajudou no processo de reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, que estão em processo de retomada de suas relações bilaterais.

Desde 1962, a Terra do Tio Sam mantinha embargo ao país. Mas, com os avanços das conversas, em julho do ano passado foi reaberta a embaixada norte-americana em Havana, e as restrições recuaram. Passou a haver maior facilidade para viagens de negócios e transações econômicas, comerciais e financeiras entre pessoas e empresas de ambos os países. Desde o fim de 2013, inclusive, o governo autorizou a importação de carros, após mais de meio século de proibição.

Com a vitória de Donald Trump ao governo ianque, no entanto, não se sabe que rumo essa relação vai tomar. Nesta semana, o republicano disse que se o governo de Raúl Castro não apresentar acordo melhor ao povo cubano, aos cubanos-americanos e aos Estados Unidos, ele vai rever o acordo com a ilha.

Fato é que com a morte de Fidel Castro (ocorrida na sexta-feira, dia 25, aos 90 anos), presidente mais longevo da história cubana, após 49 anos no poder, o contato com outras culturas pode ser acelerado – que deve antecipar também os planos de quem deseja um dia conhecer a ilha, que provavelmente nunca mais será a mesma com processo de transformação que experimentará nos próximos anos.

Fidel, aliás, era assunto tabu sobre os qual muitos temiam falar em alto e bom tom, mas que dividia opiniões proferidas em voz baixa e frases curtas. Afinal, a desaprovação do governo é severamente punida até os dias atuais. Em sua trajetória no comando do país, ele mandou fuzilar milhares de cubanos e aprisionou outros tantos, apenas por discordarem. A repressão e perda de liberdade são o alto preço a se pagar pelos avanços na educação e na saúde.

A história começou a mudar quando a 'cortina de ferro' se abriu, com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Foi quando a possibilidade de trabalhar em fábricas soviéticas – e a conseqüente renda extra para promover melhorias nos imóveis e adquirir automóveis -, além dos aportes oriundos de negócios subsidiados com a União Soviética, foram suspensos. Até então, muitos cubanos faziam intercâmbio em faculdades de outros países; era a chance que tinham de conhecer uma realidade bem distinta da sua. Com esse racha na história, os professores mais antigos foram realocados pelo governo para trabalharem com turismo, e os estudantes assumiram seus postos nas salas de aula.

Uma guia, que inclusive aprendeu a falar português durante suas andanças mundo afora, lembra com saudosismo sobre o tempo em que podia sair de seu país. E lamenta ter sido forçada a abandonar a academia. Hoje, no entanto, leva aos turistas todo o seu conhecimento. Ela vive dividida, pois seu filho fugiu para os Estados Unidos e, pelo fato de ter se casado com uma norte-americana, pode ir e vir ao país. Mas sua mãe, idosa e doente, depende dela. Além disso, ela afirma que quer continuar em Cuba, mas que sonha com a liberdade de expressão e de escolhas.

O contraponto dessa história está exatamente nos índices de educação e qualidade de vida. Os cubanos são, em sua maioria, muito mais instruídos, articulados e educados do que os brasileiros. E, até o momento, não foram contaminados pela violência. Dos 11,1 milhões de cubanos, 99,8% sabem ler e escrever (dos 205 milhões no Brasil, a taxa é de 92,6%) e 93,2% têm acesso a instalações de saneamento (em território nacional, 82,8%). A expectativa de vida é de 78,7 anos (enquanto que no País é de 73,8 anos) e o sistema de saúde é universal (aqui dispensa comentários). A taxa de desemprego é de 2,4% (contra quase 12% da nossa, sendo 15,5% no Grande ABC) e o IDH (Índice de desenvolvimento Humano) é de 0,76, considerado elevado e maior que no Brasil, de 0,75.

Hoje, a maior moeda de troca cubana nas relações exteriores é a excelência de seus médicos, que são enviados para diversos países, inclusive ao Brasil.


BÔNUS

Os cubanos, a propósito, são atrativo à parte. Extremamente simpáticos, alegres e cultos, o que impressiona, e muito. Em um simples bate-papo, ao qual parecem estar sempre dispostos, dá para ficar de queixo caído ao absorver tanto conhecimento sobre as marcas do país socialista.

É durante o dedo de prosa também que percebemos o quanto eles adoram os brasileiros, nossos produtos de beleza (embora eles tenham tradicional indústria chamada Suchel Camacho, com itens básicos e baratos) e nossas novelas – mesmo que com certo delay de algumas décadas (que hoje é de apenas alguns anos). Quando a Escrava Isaura estava no ar, o país parava para assistir. Diariamente. Às 20h30. Eles adoram a Regina Duarte. A Maitê Proença. E o Fábio Júnior, que aliás é tido como um galã por conta de Roque Santeiro. É gostoso contar sobre algumas fofocas dos artistas, e atualizá-los quem casou com quem ou se separou.

Ao cubanos que ficam, como a maioria é dona de suas casas, que passam de pai para filho e servem de moradia para gerações inteiras de famílias, os imóveis são forma de incrementar a renda média de US$ 20 dólares mensais (R$ 70). Pelo fato de muitas dessas residências serem espaçosas, é comum locar quartos aos turistas e oferece experiência única de vivenciar o dia a dia local.

Em Havana, o assédio é maior aos turistas, por parte de transeuntes, no bairro Habana Vieja. O bairro é cheio de senhoras com charuto na boca que lêem as mãos dos visitantes e também cobram por fotografias. É comum também a oferta de rum e charuto (que dizem ser falsos), passeios e sugestões de restaurantes. Basta dizer: “Tranquilo”. Eles prontamente entendem que não está interessado. No local, no entanto, não se tem venda de drogas. Tampouco violência. E nem moradores de rua.

O que também não é difícil ver são pessoas pedindo dinheiro. Embora sempre ouvisse falar que é interessante levar produtos de higiene e beleza aos cubanos, que ficam muito gratos, tive recusas de esmaltes e sabonetes que ofereci no meio da rua, em vez de CUCs. Já no hotel, a simpática camareira mostrou-se muito grata pelos produtos, tanto que, antes de voltar ao Brasil, deixei com ela cosméticos de uso pessoal. 

Neste cenário, uma das frases mais célebres de Fidel, proferida em 1953, aos 23 anos, se concretiza: “Condene-me, não importa. A história me absolverá”.




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