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Osmar Prado é um caipira de verdade
Por Renata Petrocelli
TV Press
18/10/2003 | 17:15
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Osmar Prado nunca se contentou em meramente repetir o texto que lhe chega às mãos quando interpreta um personagem de novela. Um de seus mais cuidadosos trabalhos é justamente a "adaptação" do texto ao modo como julga que o personagem falaria, com inclusão de expressões e até trechos inteiros, como acontecia com o alcoólatra Lobato, de O Clone. Por conta disso, o caipira Margarido, da novela global Chocolate com Pimenta, tem lhe dado um prazer especial.

Expressões como "garre mão", "carca mecha" e "vou me apinchar", já incorporadas ao texto pelo autor Walcyr Carrasco, foram retiradas do vocabulário do pai do ator, que morava no interior de São Paulo e morreu há cerca de dois anos. "Está tudo guardado na minha memória. Coloco em prática e faço uma homenagem ao velho", afirma, com um sorriso emocionado.

De semblante sério e de personalidade aparentemente reservada, Osmar assume um tom de indisfarçável empolgação quando fala de seu trabalho. Nesses momentos, fica até mais fácil imaginá-lo cortando a cidade do Rio de Janeiro em cima de uma motocicleta, um de seus hobbies prediletos. É com o mesmo misto de diversão e seriedade que ele encara o ofício de ator. "Toda arte tem de divertir o espectador, mas tem de ser inquietante também. Um ator deve estar sempre testando um vôo que nunca foi feito", define, com os olhos cheios de brilho.

TV PRESS – Em que aspecto o confeiteiro Margarido mais atraiu você?

OSMAR PRADO – Logo que li a sinopse da novela, percebi a possibilidade de homenagear meu pai, falecido recentemente. O Margarido é meu pai escrito. Ele era colérico, emocionalmente à flor da pele, uma pessoa como o tempo, que ora troveja, ora abre sol. Ele tinha essa coisa bem interiorana. Falava de um jeito muito interessante e a gente dava risada quando ele estava nervoso. Peguei muito do vocabulário dele. Só não pude pegar os palavrões, que ele usava muito também...

TV PRESS – Que outras inspirações você teve na hora de criar o personagem?

PRADO – O caráter, o orgulho que ele tem de ter conquistado as coisas com sacrifício. É um cara que tem ética, não aceitaria nada de graça. Às vezes é um pouco moralista, como seria normal na década de 20 do século passado. E tem a relação dele com a comida, que é uma coisa meio mágica e me influenciou muito. Quantas vezes as pessoas vão a uma festa e não se dão conta do trabalho que deu preparar aquilo tudo? Agora, fico olhando com toda atenção o bolo, os docinhos. Aquilo é uma forma de arte.

TV PRESS – Quais foram suas principais preocupações na composição do Margarido?

PRADO – No caso do Margarido, acho que não há composição, com exceção do sotaque. É diferente, por exemplo, do Tomás Alencar, de Os Maias, que vivia numa outra cultura, com um modo diferente de lidar com a palavra. Com o Margarido, investi muito mais no aspecto interior que no exterior. Minha maior preocupação é humanizá-lo, sempre. Eu comprei esta briga com o Jorge Fernando, falei: "Não vou partir para a caricatura". O personagem é magnânimo, mas não tenho pudor de mostrar que pode ser colérico, violento, ameaçador. É um ser humano. Quanto mais estrada eles derem, mais eu vou mergulhar. E está dando certo. Estou adorando fazer.

TV PRESS – A que você atribui os seguidos convites para papéis de conteúdo político e social na TV?

PRADO – Pode ser coincidência ou reflexo do meu comportamento como cidadão. Sou um ator de intensidade dramática. Talvez pensem em entregar a mim personagens como o Lobato, o Tião Galinha, o Jacobino, porque sabem que vou mergulhar profundamente. Todo ator projeta um pouco aquilo que ele mesmo é. Eu sinto certa identificação com papéis que possuem uma relação direta ou contrária ao que penso. Fiz Hitler no teatro, assim como faria Mussolini ou Jesus Cristo.

TV PRESS – Como costuma ser sua relação com o texto de novela?

PRADO – Uso o texto como guia. Quando consigo entrar na atmosfera do personagem, nunca digo uma fala de um texto literalmente como está escrito. Adapto à minha maneira, até porque na hora de representar não posso me preocupar com isso.

TV PRESS – Você sempre teve este hábito ou foi uma capacidade desenvolvida ao longo de muitos anos de carreira?

PRADO – Fui desenvolvendo com o tempo, mas ainda garoto costumava corrigir erros que os colegas cometiam na época da TV ao vivo. Uma vez, a menina que contracenava comigo esqueceu de dizer uma frase importantíssima: "Os soldados estão na praça ameaçando as pessoas". Ela entrou e não disse nada. Eu falei: "Você passou pela praça? Viu algum soldado?". Com minhas perguntas, eu a trouxe de volta para o texto. Hoje sou capaz de incorporar qualquer acidente que aconteça em cena. Qualquer erro pode ser transformado em acerto por meio da presença de espírito e de um pouco de ousadia. A base existe, mas a ousadia é fundamental.

TV PRESS – Geralmente os autores aceitam e até incorporam suas sugestões. Já aconteceu de algum deles reclamar de seus acréscimos?

PRADO – Aconteceu com a Janete Clair, em Pai Herói. Ela me mandou um recado no texto, dizendo que era importante dizer as falas do modo como ela escrevia. Argumentei que não, que o personagem vivia na marginalidade e eu tinha de acrescentar termos que não estavam no texto. A corda acabou arrebentando do lado mais fraco, mas já se manifestava minha personalidade. O personagem deu uma diminuída, depois acabou retornando, mas nunca mais fiz uma novela da Janete. Não sei se foi intencional ou coincidência.

TV PRESS – Como você avalia a relação entre autor e ator?

PRADO – Acho que o papel do ator é dar sua contribuição, e o autor assimila aquilo que acha bom. Se o que o ator acrescentou à trama, não vejo por que o autor não aceitar, a não ser que seja extremamente vaidoso. Ator tem de ser co-autor. Os personagens pertencem ao autor no momento em que estão no computador. Quando eles vão para o palco ou gravação, o espetáculo é nosso. É nosso, da direção, é um trabalho coletivo. Tem de haver uma dose de sinceridade coletiva para que todos contribuam. Caso contrário, não seriam intérpretes, e sim robôs. Por isso é que grandes personagens nas mãos de atores inexperientes podem resultar em quase nada.




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