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Tarso de Castro, o paladino do desabafo
Por João Marcos Coelho
Especial para o Diário
14/11/2005 | 08:07
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Acaba de ser lançado o livro 75 Kg de Músculos e Fúria: Tarso de Castro (Planeta, 270 págs., R$ 37,50), de Tom Cardoso, que precisa ser lido obrigatoriamente por três tipos de público: primeiro, pelo jornalistas (e aí incluo tanto os experientes quanto os jejunos, os estagiários e também os estudantes de jornalismo das centenas de faculdades espalhadas pelo país); segundo, por todo leitor que se interesse minimamente em saber como funcionam as entranhas da imprensa brasileira, sobretudo num momento como este, em que ela é ora apontada como missionária da verdade e da transparência, ora como balcão de negócios; e por fim, pelo público em geral.

O relato da vida do jornalista Tarso de Castro (1941-1991), nascido em Passo Fundo (RS) e filho de dono de jornal, tal como se estruturou na escrita ágil de outro jornalista, Tom Cardoso, é hilário do começo ao fim – e trágico, se lembrarmos que a trajetória de Tarso coincide com algumas das décadas-chaves do Brasil do século XX. Uma herança que levamos nas costas mesmo neste início de século XXI. Com uma diferença. Agora não temos mais a fantasia e os sonhos que mantiveram Tarso de Castro vivo: a utopia da esquerda no poder comandada pelo caudilho Leonel Brizola, que conheceu ainda adolescente em Passo Fundo. Mas – epa! – não foram só sonhos políticos que o fizeram sobreviver. Foram principalmente o álcool e as mulheres em todas as suas formas. No primeiro reino, preferia a vodca, copo até a boca com apenas uma gota – uma só – de limão; no segundo, não chegou a 1.003 como o Don Giovanni da ópera de Mozart, mas colecionou grandes mulheres, de Leila Diniz a Candice Bergen.

Tarso trabalhou em todos os grandes órgãos de imprensa brasileiros: no Rio, no Jornal do Brasil quando Alberto Dines era seu diretor de redação, e depois na Tribuna da Imprensa. Foi em terras cariocas ainda que concebeu e fundou o Pasquim, maior sucesso editorial da imprensa nanica. Em São Paulo, incendiou o país com a invenção do Folhetim, suplemento dominical da Folha de S. Paulo, foi o colunista mais lido da Ilustrada – mais até do que Paulo Francis. E terminou como colunista da Folha da Tarde, num gesto de solidariedade de Otávio Frias pai. O álcool levou-o aos 49 anos, em 20 de maio de 1991. Imagino o que ele não escreveria hoje. Seria dinamite pura, não tenho dúvida.

O melhor tributo ao gênio de Tarso de Castro é lembrar algumas de suas frases e trechos marcantes. Antes disso, uma tentativa de explicação para o seu sucesso incontestável, descrita pelo próprio numa mesa do Rodeio, seu restaurante preferido nos Jardins, em São Paulo, que ele usava praticamente como sua redação particular: “Minha coluna na Folha é meu analista. Lá faço meus desabafos. Dá o maior ibope. Não sei por que. Suponho que seja descontração, pela quebra da monotonia dominante no jornalismo brasileiro. Nosso jornalismo tornou-se tão especializado que perdeu a alma. Os jornais ficaram muito iguais. Minha coluna é irreverente, nela dou esporro, chamo o Maluf de ladrão, defendo a dignidade deste país angustiado. Busco munição nos bares, nas conversas cotidianas. E não há copidesque para minha coluna. Ela sai como um esporro. Os jornais brasileiros acabaram com o talento individual, com o jornalista de estilo próprio”. Precisa dizer mais alguma coisa?

Tarso tasca

Fuzis contra lápis
“Sob a inspiração do governador Israel Pinheiro, revolucionário autêntico, inicia-se em Minas Gerais o diálogo entre estudantes e policiais: dez homens foram treinados no Dops, durante quatro meses, para aplicar golpes mortais de caratê e outros dos mais avançados métodos de luta. Eles formarão agora a linha de frente contra os movimentos estudantis e contarão inclusive com seis fuzis e quatro metralhadoras (...). Sua função específica é enfrentar os perigosíssimos estudantes e suas potentes armas, tais como papel e lápis.”

(no jornal carioca Última Hora, de Samuel Wainer nos anos 60, em seu primeiro emprego no Rio).

Sapato
“Só há uma saída para as mulheres que passam pelo quarto de Paulo Francis: dormir. Se resistirem por mais de 10 minutos, viram lésbicas para sempre.”

(sobre seu grande amigo e oposto radical, que invejava particularmente as suas mulheres).

A última do dia
“O maestro [Tom Jobim] contou que já achara uma forma divertida de se vingar do seu principal crítico [José Ramos Tinhorão, então no Jornal do Brasil, crítico ferrenho da bossa nova, que chamava de “americanizada” e “colonizada”]: toda noite, antes de dormir, fazia questão de dar a última mijada do dia no tinhorão (planta famosa pela beleza de suas grandes folhas) que cuidava com zelo no jardim de sua casa.”

(Tom Cardoso, sobre a primeira matéria de capa do suplemento dominical Folhetim idealizado por Tarso e que incendiou o país nos anos 70, onde Tom disse isso mas pediu que não fosse publicado, o que naturalmente Tarso fez).

Não é de hoje que se bebe
“Alvo da vez [em 1982, quando candidato do governo do Estado] da coluna de Tarso na Ilustrada, Jânio exigiu retratação imediata do jornal pelo artigo ‘O diálogo de Jânio com João’ em que Tarso descrevia uma entrevista imaginária onde Jânio era alcoólatra e pedia repetidas vezes uísque ao presente Figueiredo”. O atual ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, foi advogado de Tarso no processo. Vejam o argumento de Bastos em defesa de seu cliente, como conta Tom Cardoso em seu livro: “Uma afirmação de Paulo Maluf foi usada para construir a tese de defesa. Em entrevista a uma rádio, ao ser perguntado sobre a misteriosa renúncia de Jânio, Maluf declarou: As forças ocultas nacionais que ele alega chamam-se Três Fazendas e 51, e as internacionais, Black Label e Buchanan’s.”

Duelo etílico
“Eu estava tomando minhas biritas na mesa dos fundos do Degrau, quando o Tarso empurrou a porta com um tranco e berrou pra todo mundo ouvir: “Jaguar, seu viado, vamos duelar! Escolha as armas!.” “Conhaque”, respondi. Modéstia à parte, eu estava num daqueles dias em que a gente pode beber um Amazonas que não fica de porre. Ganhei: carreguei o Tarso desmaiado até a casa dele”.

(Jaguar, em 1986, contando como voltou às boas com Tarso, que chegou a anunciar seu falecimento numa nota fúnebre na Ilustrada).

Ativo & Passivo
“Sr. Agnaldo Timóteo, no seu governo como serão tratados o passivo e o ativo do Estado? Uma ótima notícia para Agnaldo Timóteo: está sendo construída no Estado de Nevada, nos Estados Unidos, uma cidade só para os homossexuais. Não seria uma boa o nosso viado canoro ir tentar a vida política por lá?.”

(em O Nacional, jornal que montou no Rio em meados de 1986 financiado por Leonel Brizola, então candidato ao governo do Estado).

Dama de Ferro
“Mas, minha nossa, deu a louca na Dama de Ferro, o nosso darling Orestes Quércia. Imaginem que a maior mobilização já feita pela polícia de São Paulo foi concluída com grande sucesso. É que, depois de meses de exaustivo trabalho, um dos maiores crimes já ocorridos em São Paulo teve sua solução encontrada: sabe-se agora, com riqueza de detalhes, que foi Maria de Deus Ratte quem pôs o governador de baiana num cartaz de rua. Eu bem que avisei a Maria de Deus que ela não deveria fazer um vestido tão simplezinho. O Orestes sempre foi muito estilizado, não dispensa paetês e miçangas.”

(na sua última coluna fixa, na Folha da Tarde)

“Todo paulista é bicha”
Campanha de Tarso no Pasquim que enfureceu a paulicéia, logo ele, um fã de carteirinha do selinho entre homens. O colunista político Mauro Santayana jura que o viu lascar um selinho em Otávio Frias pai no nono andar do prédio da Folha de S. Paulo na al. Barão de Limeira; Frias o adorava e o sustentou por anos com inteira liberdade em seu jornal.

“Claudete” & “Friete”
Era assim que Tarso chamava aos berros, pra todo mundo ouvir, Cláudio Abramo, diretor de redação da Folha, e Otávio Frias pai, dono do jornal.




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