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Faz muita falta, diz dona Avelina

No dia e na hora da missa de corpo presente, casal completaria 44 anos de união; viúva recorda de trabalho no Fundo Social de Solidariedade

Beto Silva
Do Diário do Grande ABC
14/12/2014 | 07:03
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Às 10h de 18 de dezembro de 2004, um dia depois da morte de Luiz Tortorello, realizava-se a missa de corpo presente antes do enterro do prefeito. No mesmo dia e horário, mas na cidade de Matão e no ano de 1960, Luiz casava-se com Avelina Santa Romanelli Tortorello.

“É muita saudade. Ele faz muita falta. Conforme os anos passam, fica cada vez mais difícil. Ele está com Deus. Só fez o bem”, disse a viúva, que esteve ao lado de Tortorello por exatos 44 anos.
Ela atendeu a reportagem sexta-feira à tarde, por telefone, em sua casa. A primeira pergunta foi se queria dar entrevista ou se o assunto a incomodava a ponto de preferir o silêncio. A negativa seria respeitada, sem insistência. Veio a resposta. “Podemos falar agora, por telefone mesmo. Vamos resolver isso logo.”

“Nos conhecemos com 15 anos (em 1952). Eu três meses mais velha. Faço aniversário em janeiro, ele em abril. Quatro anos depois ele era eleito vereador mais votado de Matão”, lembra dona Avelina, já menos tensa. “O maior ensinamento que nos deixou foi amar tudo o que fazia. Havia muita honestidade também. Todas as pessoas que encontramos dizem ter saudade dele.”

Ela ainda fez questão de ressaltar a atuação como presidente do Fundo Social de Solidariedade, incentivada e inspirada pelo marido. “Foi o melhor tempo da minha vida. Ajudamos muitas pessoas que precisavam. Com o apoio das minhas conselheiras, tenho certeza que fizemos um ótimo trabalho.”

Dona Avelina vai recordar outras histórias na quinta-feira, às 19h30, na Igreja São João Batista, na Rua Piauí, bairro Santa Paula, onde será realizada missa em alusão aos 10 anos da morte de Tortorello.

FAMILIARES
Outros familiares também comentaram sobre uma década de ausência de Luiz Tortorello. Antônio de Pádua Tortorello, irmão do prefeito e assessor de gabinete nas gestões do petebista, afirmou que “é uma perda irreparável”. “A cidade toda sente falta. Penso nele e faço orações por ele todos os dias. Por onde passou foi respeitado e deixou legado. Era uma pessoa amável. Uma pena ter ido embora. Quem viu Tortorello viu, que não viu, não vai ver mais ninguém igual.”

Jayme Tortorello, outro irmão, disse que Luiz “marcou história pelo estilo agressivo de administrar”. “Era rigoroso nas coisas públicas. É um marco para a cidade. São Caetano se divide em duas: uma antes e outra depois de Luiz Tortorello.”

O filho Luiz Olinto Capovilla Tortorello observou que o pai exalava positivismo. “O tempo passou rápido. Mas a cada ano cresce nosso orgulho, pois ele é lembrado cada vez mais. Nesses dez anos fez falta para a família, para a cidade e para o Estado. O importante é que deixou legado que a população usufrui até hoje”, diz Luizinho, como é conhecido, com a voz e o sotaque idênticos ao do pai. “A laranja não cai longe do pé.”

Promessa de campanha para o mordomo

Florisvaldo Rocha serviu Luiz Tortorello e sua família por 19 anos. Ganhou o apelido ‘James’ do próprio prefeito. Preparava comida e bebida ao juiz de direito antes mesmo de ser prefeito. Segundo o mordomo, foi com ele o único compromisso assumido na campanha de 1988, a primeira do petebista na corrida pela Prefeitura de São Caetano.

“Assim que ele confirmou que seria candidato, me disse que eu seria contratado para trabalhar com ele no Paço. Eu não acreditei, pensei que era conversa de político. Pois quando ele assumiu disse para mim que o emprego estava garantido e que havia sido o único compromisso dele”, lembra James, 61 anos.

A entrevista concedida em seu apartamento no Edifício Luiz Olinto Tortorello, no bairro São José, não começou dessa forma descontraída. Na primeira declaração parou na segunda frase. “O tempo passou rápido. Até hoje não tive coragem de ir ao cemitério (ele para de falar, respira fundo, faz longa pausa e respira fundo). Foi mais que um pai para mim”, disse em meio ao choro e a voz embargada.

James mostrou fotos, recordou casos. Mas nada tocou tanto o mordomo quanto vestir novamente o smoking vinho – impecável, diga-se – dez anos depois de tê-lo colocado pela última vez no velório do prefeito, dias 17 e 18 de dezembro de 2004. A roupa estava no guarda-roupa, separada com carinho. Durante o ritual de produção, em frente ao espelho, um filme passa pela cabeça de James. Tantas e tantas memórias de Tortorello lhe ocorrem. “Parece que estou me preparando para receber o Paulo Renato (Souza, então ministro da Educação), a primeira autoridade que recebi com essa roupa. Eu só a usava em ocasiões especiais.”

A ligação entre Tortorello e James era tão forte – “eu tinha a chave da casa dele”, confidenciou – que cativava parentes do chefe do Executivo. “Um dia a neta dele me viu e começou a chorar. Lembrou do avô. Estávamos sempre juntos.”

O mordomo, que hoje trabalha em buffet de Santo André, ainda contou uma das famosas histórias que fazem parte da trajetória de Tortorello. “Certa vez, uma senhora foi muito cedo à Prefeitura falar com o prefeito. Ele não tinha chegado. Falamos para ela escrever uma carta que entregaríamos. Ela pedia um vídeo-game para o filho. Encontrei-a um ano depois e perguntei se ele tinha atendido a solicitação. Ela disse que ganhou o vídeo-game e uma TV.”

Motorista perde nome, mas ganha sobrenome

Nicomedes Nogueira, o Nico, foi motorista do prefeito Luiz Tortorello por “sete anos, 11 meses e 17 dias”, como afirma de maneira precisa. As conversas e confidências durante os deslocamentos do chefe do Executivo fez com que a relação profissional transcendesse barreiras. Ficaram amigos.
Pouco tempo depois de começar a trabalhar com o prefeito, Nico não era mais Nico. “Sou ‘o motorista do Tortorello’. Por onde andava e, até hoje, por alguns lugares que chego, não sabem meu nome. Me apresentam como ‘o motorista do Tortorello’. Perdi meu nome”, discorre ele, sem se incomodar com a situação. Pelo contrário. “Isso abre portas”, acrescenta, com largo sorriso no rosto.

A convivência diária com o petebista torna Nico uma das pessoas que mais conhecem histórias protagonizadas pelo prefeito. E não são poucas. Na volta de um evento oficial na Capital, por exemplo, ele conta que Tortorello pediu para que ele parasse o carro e mandou o segurança pegar um menino com camisa do Palmeiras que estava próximo a uma favela na divisa com São Caetano. “Pensamos que era um garoto que poderia nos assaltar. Quando o segurança voltou com ele perto do carro, o Tortorello tirou R$ 100 da carteira e deu para a criança. Disse que o dinheiro era por causa da camisa do Palmeiras que ele vestia”, discorre Nico.

Outro caso que mostra bem o jeito Tortorello de ser ocorreu com o próprio motorista. No dia 24 de dezembro de 2003, véspera do último Natal que o petebista vivenciaria, o prefeito ligou para Nico, chamando-o para ir ao shopping como amigo. “Fomos dando risada.” Ao chegar a um dos principais aglomerados de lojas de São Paulo, a surpresa. “Ele sacou R$ 1.000 e me deu. Falou para comprar presentes para meus filhos. Olha... chega a me arrepiar ao lembrar disso.”

Essa foi uma pequena ajuda. O principal apoio recebido pelo motorista veio acompanhado de uma lição. “Ele sempre falava que me ajudaria se eu estudasse. Eu tinha só o Ensino Fundamental e era negro. Não teria muitas oportunidades se não estudasse. Ele estava certo. Fiz supletivo para o colegial (hoje Ensino Médio) e prestei vestibular na faculdade Anhembi-Morumbi em Gestão de Segurança. Passei e mostrei a ele o papel com minha aprovação. Aí ele me perguntou: ‘Quanto vai ser meu prejuízo?”, relembra Nico, às gargalhadas.

“Quando iria me formar, ele morreu, infelizmente. Mas colho frutos até hoje. Sou pós-graduado em Segurança Pública e faço atualmente uma outra pós, de Gestão de Pessoas no Setor Público. Ele me inspirou. Era juiz de direito, prefeito e fazia doutorado no Rio de Janeiro. Nunca é tarde para obter conhecimento”, frisa ‘o segurança de Tortorello’, mostrando que as lições foram aprendidas e são colocadas em prática


Clã não conseguiu fazer sucessor político nas eleições seguintes

Após a morte de Tortorello, nenhum integrante da família conseguiu vencer eleição. Foram cinco tentativas, todas frustradas.

O filho Marquinho estava sendo preparado para dar essa continuidade. Foi eleito deputado estadual duas vezes. Mas no primeiro pleito após a saída de cena do pai, falhou. Em 2006, ao tentar voltar à Assembleia ainda pelo PPS, obteve 49.812 votos. Depois candidatou-se a vereador em 2008, quando recebeu 1.104 sufrágios. No mesmo ano, Jayme, irmão de Luiz, tentou ser prefeito pelo PT. Conquistou 10.388 adesões (13%). Jayme ainda buscou vaga na Câmara Municipal em 2012. Conseguiu 670 votos. Nessa mesma eleição, a filha Marta Tortorello também disputou a vereança. Foram 438 eleitores. Em 2014, Luiz Olinto Capovilla Tortorello, o outro filho do prefeito, sequer conseguiu registro na Justiça Eleitoral.

“Nenhum de nós tem a qualidade que ele teve”, resume Jayme. “Não deu tempo de concluir a preparação”, analisa o irmão Antônio de Pádua Tortorello. “Faltou a nós a última lição. Ele nos deixou antes, tivemos de ser autodidatas na política. Batemos cabeça na ausência dele”, acrescenta Luizinho. 




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