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Pioneiros na luta pela igualdade racial
Deborah Moreira
Do Diário do Grande ABC
16/11/2010 | 07:07
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Nario Barbosa/DGABC


Quem frequenta hoje o tranquilo bairro Santa Terezinha, em Santo André, nem imagina que um dia o local já foi cenário de grande mobilização pela igualdade racial nas décadas de 1970 e 1980, quando surgiram os primeiros passos do movimento negro no município.

A equipe do Diário esteve no local no fim de semana, em companhia do maestro João de Campos e de José Luiz Gomes, presidente do Clube Ouro Verde Popular Futebol Clube (fundado em 1950). Os dois velhos amigos são nomes importantes na história do combate à desigualdade racial e se encontraram com objetivo de trazer à tona, neste mês da Consciência Negra, a trajetória de Irineu de Barros Siqueira, pioneiro nas mobilizações raciais do Grande ABC.

Segundo eles, Irineu nasceu, cresceu, casou e morreu na casa de número 93 na rua que ganhou seu nome há alguns anos. Sua irmã ainda mora lá mas não foi encontrada.

Sua família teria se mudado no final da década de 1940, quando foram construídas as casas populares para ferroviários e guardas civis. Seu pai era ferroviário. "Irineu mantinha uma vida regrada: não fazia uso de bebida alcoólica, nem frequentava bares", contou João de Campos.

Músico e compositor auto-didata, Irineu mantinha um conjunto com quem se apresentava. Mas não se conformava com a exclusão de negros e negras de postos de trabalho e rodas sociais. Por não ser permitida a entrada deles nos bailes dos grandes clubes, surgiram os bailes negros em clubes de bairros periféricos como o Ouro Verde.

"Existiam alguns bailes em Santa Terezinha que pegavam fogo. Era muito agito. E o Irineu ia lá na porta dos clubes para chamar o pessoal para discutir política e racismo na praça (Chácara Pignatari)", explicou José Luiz, que até hoje mantém os ideais por um mundo mais justo e igual.

João de Campos lembrou que se filiou ao MDB na década de 1970 e que Irineu preferiu se manter independente, não se filiando a partido nenhum. Só com mais de 30 anos entrou para o PDT. Em 1982, quando ainda não havia completado 40 anos, morreu de infarto, segundo as lembranças dos amigos.

"Éramos meia dúzia de pessoas sem intenção de montar uma entidade. Queríamos sacudir os jovens e fazer com que tivéssemos os mesmos direitos dos jovens brancos", lembrou João.

Tanto ele quanto José reconhecem que as reivindicações de hoje só são possíveis graças à história que ajudaram a construir. "Ainda há muito que lutar. Somos excluídos do mundo do trabalho. Os melhores cargos e salários ficam sempre com brancos", afirmou João.

 

Maestro relembra cinco décadas de militância

 

O maestro João de Campos saiu de Mirandópolis, no Interior, para morar com os tios no Parque das Nações, em Santo André, aos 13 anos. Neto de escravos que trabalharam em fazendas na região de Lins, aos 8 anos tocava trompa, trombone e bombadino. Acabou tornando-se amigo de Irineu (de Barros Siqueira) e representante do movimento que dava os primeiros passos.

Aos 17 anos entrou para o Exército e logo em seguida conseguiu seu primeiro trabalho. "Quem arrumou meu primeiro emprego foi Bruno José Daniel, pai de Celso Daniel (ex-prefeito de Santo André), na campanha dele para vereador", lembrou o maestro, que tem como formação a experiência no conservatório de Santo André e na Faculdade de Música. "Era negro, pobre e músico. Então fui obrigado a fazer a faculdade para ser aceito nas bandas. Andar por essas ruas (de Santa Terezinha) me faz lembrar daquele tempo."

Casou-se com uma musicisita, com quem teve quatro filhos. Fundou a ONG Lenesi (Legião dos Negros Sindicalistas do Grande ABC), onde ensina música para crianças carentes. "Meu pai herdou o sobrenome Campos do dono da fazenda. Carregamos algo que não condiz com nossa origem. Mesmo aos 70 anos, me empenho no movimento e espero o mesmo dos mais jovens." (Deborah Moreira)




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