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Autores entram na história à la Hitchcock
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
22/11/2008 | 07:01
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João Cândido Felisberto nasceu no Rio Grande do Sul em 1880, filho de ex-escravos. Entrou para a Marinha em 1894. Marujos eram negros na maioria; oficiais, descendentes de senhores de escravos. Casa-grande e senzala em alto-mar, ou ponte de comando e porão, soldo miserável, comida ruim e estragada, e chibatadas - até com pregos amarrados.

Em 22 de novembro de 1910, posse do presidente Hermes da Fonseca. Um dia antes, um marujo recebera 250 chibatadas. Liderados por João Cândido, e inspirados pelo levante dos russos do encouraçado Potemkin, os marinheiros tomaram o Minas Gerais, então o maior navio de guerra do mundo, e mais três naves na Baía da Guanabara. Manobrando a frota com habilidade e estratégia, João Cândido evitou o contra-ataque, forçando a negociação após quatro dias. O governo cedeu, e os castigos acabaram. Menos para os rebeldes, traídos por uma falsa anistia.

Na calada da noite a maioria foi morta. Dezoito deles foram presos numa abafada cela, com pequena abertura, pela qual era jogado cal com água. Após 18 meses, só um marinheiro e João Cândido sobreviveram. Banido dentro do próprio País, o Almirante Negro sobrevivia de bicos, mas a Marinha interferia para que lhe demitissem. Foi preso seguidas vezes. Passou assim os 59 anos restantes da vida, pobre e doente, vendendo peixes sob vigilância da Marinha.

Secretamente, João Cândido foi levado para o adeus em 1953 ao Minas Gerais, que viraria sucata. A cena está no livro. No barco que o conduz até o navio estão Marcelino Rodrigues Menezes (o marinheiro que levou as 250 chibatadas), alguns marujos, seu neto. No timão, Hemeterio desenhou a si e Olinto Gadelha, à la Hitchcock.

Em 1969, João Cândido morreu de câncer. "Nós queríamos combater os maus-tratos, a má alimentação. E acabar com a chibata, o caso era só este", contou em 1968, ao Museu da Imagem e do Som.

 




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